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ACÓRDÃO Nº. 000219/2020 PROCESSO N. º: 0743312017-3

brasao paraiba
ESTADO DA PARAÍBA
SECRETARIA DE ESTADO DA RECEITA

PROCESSO N. º: 0743312017-3
PRIMEIRA CÂMARA DE JULGAMENTO
RECORRENTE: GERÊNCIA EXECUTIVA DE JULGAMENTO DE PROCESSOS FISCAIS
RECORRIDA: CAMELO ESTIVAS LTDA.
REPARTIÇÃO PREPARADORA: CENTRO DE ATENDIMENTO AO CIDADÃO DA GR3 DA SEFAZ – CAMPINA GRANDE
FISCAL AUTUANTE: MARIA DAS NEVES FALCÃO DA COSTA
RELATOR: CONS. º ANISIO DE CARVALHO COSTA NETO

OMISSÃO DE SAÍDAS. LEVANTAMENTO DA CONTA MERCADORIAS. INAPLICABILIDADE ÀS EMPRESAS ENQUADRADAS NO SIMPLES NACIONAL. LEI GERAL NÃO PODE IMPOR OBRIGAÇÃO NÃO PREVISTA EM LEI ESPECIAL. LACUNA. NÃO VERIFICADA. AUTO DE INFRAÇÃO IMPROCEDENTE. REFORMADA DECISÃO RECORRIDA. RECURSO HIERÁRQUICO DESPROVIDO

O disciplinamento do Sistema Jurídico Nacional tem previsão na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, que consagra princípio segundo o qual a incidência da norma especial afasta a aplicação da Geral. A lei 123/06 regulamenta a tributação, fiscalização e arrecadação das empresas enquadradas no sistema do SIMPLES NACIONAL, não havendo previsão de obrigação de se obter lucro bruto mínimo de 30%, assim como previsto no RICMS/PB, considerada norma geral.

Vistos, relatados e discutidos os autos deste Processo, etc...

 

 

A C O R D A M os membros do Tribunal Pleno de Julgamento deste Conselho de Recursos Fiscais, à unanimidade e de acordo com o VOTO pelo recebimento do recurso hierárquico, por regular, e, no mérito, pelo seu desprovimento, para reformar, de ofício, a sentença prolatada na primeira instância, julgando IMPROCEDENTE o Auto de Infração de Estabelecimento nº 93300008.09.00001192/2017-65, lavrado em 15/5/2017, em desfavor da empresa CAMELO ESTIVAS LTDA., inscrição estadual n° 16.038.554-7, devidamente qualificada nos autos, eximindo-a de quaisquer ônus referentes a essa ação fiscal.

Intimações necessárias a cargo da Repartição Preparadora na forma regulamentar.

                                         P.R.E.  

                          Tribunal Pleno, Sala das Sessões Pres. Gildemar Pereira de Macedo, em 26 de junho de 2020.



                                                  ANÍSIO DE CARVALHO COSTA NETO
                                                               Conselheiro Relator


                                             GIANNI CUNHA DA SILVEIRA CAVALCANTE                                                                            
                                                                          Presidente


Participaram do presente julgamento os membros do Tribunal pleno de Julgamento, THAÍS GUIMARÃES TEIXEIRA FONSECA, GÍLVIA DANTAS MACEDO, MAÍRA CATÃO DA CUNHA CAVALCANTI SIMÕES, DAYSE ANNYEDJA GONÇALVES CHAVES, PETRÔNIO RODRIGUES LIMA, SIDNEY WATSON FAGUNDES DA SILVA, CHRISTIAN VILAR DE QUEIROZ (SIPLENTE) e MÔNICA OLIVEIRA COELHO DE LEMOS.


                                                     SÉRGIO ROBERTO FÉLIX LIMA   
                                                               Assessor Jurídico

Neste colegiado examina-se o recurso hierárquico, nos moldes do artigo 80 da Lei nº 10.094/2013, diante da decisão monocrática que julgou parcialmente procedente o Auto de Infração de Estabelecimento nº 93300008.09.00001192/2017-65, lavrado em 15/5/2017, (fls. 3-4), no qual constam as seguintes infrações fiscais:

 

1.             “0027 – OMISSÃO DE SAÍDAS DE MERCADORIAS TRIBUTÁVEIS – CONTA MERCADORIAS >> Contrariando dispositivos legais, o contribuinte omitiu saídas de mercadorias tributáveis, resultando na falta de recolhimento do ICMS. Irregularidade esta detectada através do levantamento Conta Mercadorias.”

“NOTA EXPLICATIVA – Crédito Tributário apurado através de conta mercadorias com os dados eletrônicos do contribuinte.”

 

Foram dados como infringidos os arts. 158, I, art. 160, I, c/c art. 643 § 4º, II, e art. 646; parágrafo único, todos do RICMS/PB, aprov. p/Dec.18.930/97. O crédito tributário proposto foi de R$ 1.162.721,80 (hum milhão, cento e sessenta e dois mil, setecentos e vinte e um reais e oitenta centavos), sendo R$ 581.360,90 (quinhentos e oitenta e um mil, trezentos e sessenta reais e noventa centavos), referentes ao ICMS e mais R$ 581.360,90 (quinhentos e oitenta e um mil, trezentos e sessenta reais e noventa centavos), de multa por infração, cuja previsão legal está disposta no artigo 82, inciso V, “a” , da Lei 6.379/96.

           

Regularmente cientificado do auto de infração através de A. R. (Aviso de Recebimento) em 25/5/2017 (fl. 37), a empresa autuada apresentou reclamação em 13/6/2017 (fls. 39), na qual se insurge contra os termos da autuação com base nas seguintes argumentações:

 

- que as notas fiscais lançadas como não registradas foram todas escrituradas;

 

- que não foram levados em consideração os valores de entradas e saídas registradas nas GIMs;

 

- que o montante de faturamento é inconsistente com os valores de entradas e saídas expressas nas GIMs;

 

- que não é possível saber de onde advêm os valores das despesas apontadas nos Levantamentos Financeiros;

 

- O crédito tributário constituído no auto de infração é exorbitante e que a autuada atravessa uma grande crise.

 

Assim, requer que seja declarada a improcedência do auto de infração, confirmando que não houve sonegação e tampouco falta de recolhimento do referido tributo estadual.

 

Requerida a diligência, a fiscal autuante apresentou relatório com os devidos esclarecimentos (fls. 152-154), além de trazer aos autos novas planilhas do Levantamento da Conta Mercadorias (fls. 46 a 50), relação das notas fiscais não lançadas (fls. 51 a 53), cópia das folhas do Livro Registro de Entradas (fls. 64-151), assim como a DEFIS dos períodos em que houve fato gerador do tributo (fls. 54-63).

 

Sem anotação de ocorrência de antecedentes fiscais (fl. 41), os autos foram remetidos à GEJUP após a lavratura do termo de conclusão (fl. 40), com distribuição ao Julgador Francisco Nociti que exarou sentença considerando o auto de infração PARCIALMENTE PROCEDENTE, conforme ementa abaixo:

 

OMISSÃO DE SAÍDAS PRETÉRITAS DE MERCADORIAS TRIBUTÁVEIS – CONTA MERCADORIAS. DENÚNCIA CARACTERIZADA.

- Da diferença constatada no Levantamento da Conta Mercadorias, sobreleva-se a presunção legal de saídas pretéritas de mercadorias sem documentação fiscal. Admissível, todavia, a prova das circunstâncias excludentes dessa presunção relativa, a cargo do sujeito passivo.

- Efetuada Diligência Fiscal com o escopo de maiores esclarecimentos acerca das alegações da impugnante, o que implicou a sucumbência de parte dos créditos tributários constituídos.

AUTO DE INFRAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE

 

Com resultado da sentença, o julgador monocrático manteve o crédito tributário parcialmente no montante de R$ 948.881,88 (novecentos e quarenta e oito mil, oitocentos e oitenta e um reais e oitenta e oito centavos), distribuídos igualmente entre tributo e multa, afastando o valor de R$ 213.839,92 (duzentos e treze mil, oitocentos e trinta e nove reais e noventa e dois centavos), também repartidos na mesma proporção entre tributo e multa.

 

Cientificado da decisão de primeira instância administrativa através de Domicílio Tributário Eletrônico (DT-e) (fl. 166), em 22/4/2019, o autuado não apresentou recurso voluntário ao Conselho de Recursos Fiscais, motivo pelo qual apenas o Recurso de Ofício será objeto de apreciação e julgamento.

 

Na sequência, remetidos os autos a esta Casa, com distribuição a esta relatoria, segundo critério regimentalmente previsto, o recurso hierárquico será objeto de apreciação e julgamento.

 

Este é o relatório.

 

                                                                                  VOTO

 

Trata-se de recurso hierárquico, nos moldes do que dispõe os artigos 80 da Lei n. º 10.094/13, interposto contra decisão de primeira instância que julgou parcialmente procedente o Auto de Infração de Estabelecimento n.º 93300008.09.00001192/2017-65, lavrado em 15/5/2017 (fl. 3-4) em desfavor do contribuinte CAMELO ESTIVAS, inscrito no CCIMCS sob o n. º 16.038.554-7, devidamente qualificado nos autos.

 

Em princípio, cabe observar que o lançamento fiscal observou rigidamente as disposições do art. 142 do CTN, não se presumindo qualquer pretensão de nulidade elencados nos arts. 14, 16 e 17, da Lei nº 10.094/2013 (Lei do PAT).

 

A)    OMISSÃO DE SAÍDAS - CONTA MERCADORIAS – 2012, 2013, 2014, 2015 e 2016

 

Na discussão do mérito que agora será objeto de julgamento, é preciso, antes de qualquer coisa, realçar o histórico do contribuinte a respeito do regime de apuração do imposto, que, desde julho de 2007, era enquadrado no SIMPLES NACIONAL. Essa consideração tem implicações umbilicais a respeito das autuações que tem base no Levantamento da Conta Mercadorias, especialmente para as empresas com esse perfil, assim como ficará esclarecido.

 

Vê-se do histórico do contribuinte, abaixo destacado essa condição de empresa enquadrada no SIMPLES NACIONAL, dados extraídos do sistema ATF, abaixo reproduzido:

 

                       

 

Em princípio, devem-se tecer alguns comentários a respeito da referida técnica contábil. É de notável e largo conhecimento entre os que labutam nos ramos do direito tributário e da contabilidade a referida conta mercadoria, que é técnica de fiscalização que se presta a verificar se o contribuinte de fato atende à legislação do ICMS em vigor, mais especificamente, se apurou lucro bruto com mercadorias tributáveis em percentual mínimo de 30%, caso em que, não ocorrendo, vai refletir na falta de recolhimento do ICMS e na constatação de omissão presumida de saídas de mercadorias tributáveis sem o pagamento do tributo devido.

 

Claro está, contudo, que a referida técnica exclui, até a entrada em vigor da Lei n.º 123/06, que institui o Estatuto Nacional da Microempresa e Empresa de Pequeno Porte, as empresas que declaram seus resultados com base no lucro real, aplicando-se, assim, apenas àquelas que apuram seus resultados com base no lucro presumido, conforme já largamente conhecido dos operadores do Direito.

 

O procedimento é técnica de fiscalização simplória, a vislumbrar, para os casos em que a legislação a prevê, omissão de saídas tributáveis – por presunção - decorrente da aplicação do disposto no artigo 646, e em consonância com o que estabelece o inciso II, do parágrafo 4º do artigo 643, que obriga o contribuinte que apura o resultado com base no lucro presumido a superávit nunca inferior a 30%, in verbis:

 

Art. 643. No interesse da Fazenda Estadual, será procedido exame nas escritas fiscal e contábil das pessoas sujeitas à fiscalização, especialmente no que tange à exatidão dos lançamentos e recolhimento do imposto, consoante as operações de cada exercício.

[...]

§ 4º Para efeito de aferição da regularidade das operações quanto ao recolhimento do imposto, deverão ser utilizados, onde couber, os procedimentos abaixo, dentre outros, cujas repercussões são acolhidas por este Regulamento:

[...]

II - o levantamento da Conta Mercadorias, caso em que o montante das vendas deverá ser equivalente ao custo das mercadorias vendidas (CMV) acrescido de valor nunca inferior a 30% (trinta por cento) para qualquer tipo de atividade, observado o disposto no inciso III do parágrafo único do art. 24.

 

Assim, a aplicação do dispositivo destacado em combinação com o que preceitua o artigo 646, faz alvorecer a presunção de omissão de saídas em decorrência da não observância do percentual mínimo de lucro bruto imposto na legislação do ICMS em vigor no estado:

 

Art. 646. Autorizam a presunção de omissão de saídas de mercadorias tributáveis ou a realização de prestações de serviços tributáveis sem o recolhimento do imposto, ressalvada ao contribuinte a prova da improcedência da presunção:

I – o fato de a escrituração indicar:

a) insuficiência de caixa;

b) suprimentos a caixa ou a bancos, não comprovados;

II – a manutenção no passivo de obrigações já pagas ou inexistentes;

III – qualquer desembolso não registrado no Caixa;

IV – a ocorrência de entrada de mercadorias não contabilizadas;

V – declarações de vendas pelo contribuinte em valores inferiores às informações fornecidas por instituições financeiras e administradoras de cartões de crédito.

Parágrafo único. A presunção de que cuida este artigo aplica-se, igualmente, a qualquer situação em que a soma dos desembolsos no exercício seja superior à receita do estabelecimento, levando-se em consideração os saldos inicial e final de caixa e bancos, bem como, a diferença tributável verificada no levantamento da Conta Mercadorias, quando do arbitramento do lucro bruto ou da comprovação de que houve saídas de mercadorias de estabelecimento industrial em valor inferior ao Custo dos Produtos Fabricados , quando da transferência ou venda, conforme o caso. (destaque nosso)

 

É uma posição que se sustenta em vastos julgados do Conselho de Recursos Fiscais, a exemplo do Acórdão n. º 684/2018, exarado por esta corte de julgamento colegiado em 27/12/2018:

 

FALTA DE RECOLHIMENTO DO ICMS. OMISSÃO DE SAÍDAS DE MERCADORIAS TRIBUTÁVEIS. CONTA MERCADORIAS. LEVANTAMENTO FINANCEIRO. SIMPLES NACIONAL. MANTIDA A DECISÃO RECORRIDA. AUTO DE INFRAÇÃO PROCEDENTE. RECURSO VOLUNTÁRIO DESPROVIDO.

As diferenças apuradas em Conta Mercadorias e Levantamento Financeiro denunciam omissão de saídas tributáveis sem o pagamento do imposto, conforme presunção contida na legislação de regência.

 

Ressalte-se, neste caso, a ressalva da parte final do caput do artigo 646, que coloca à disposição do contribuinte, de forma categórica e explícita, a prova da improcedência da acusação, que, em consonância com o princípio à ampla defesa e ao contraditório, foi oportunidade aproveitada pelo contribuinte, que alegou tudo aquilo que quis.

 

Ocorre que, no plano do direito, são as alegações que emprestam força ao debate que se estabelece no litígio, mas no plano dos fatos, as provas são elementos incontestáveis a emprestar força às considerações feitas ao longo do processo que se desenrola, de forma litigiosa, no âmbito da querela administrativa.

 

Em primeira análise, deve-se se ter em mente a inaplicabilidade do levantamento da Conta Mercadorias para contribuintes enquadrados no sistema do SIMPLES NACIONAL, o que parece bastante razoável e sedutora a tese, a merecer algumas considerações, ousando discordar das argumentações do insigne julgador de primeiro grau.

 

A sedução a esse entendimento, tal como prolatado no parágrafo anterior, aparece em função de princípio aplicável plenamente ao ambiente tributário: O princípio da especialidade, que revela que a norma especial afasta a incidência da norma geral - lex specialis derrogat legi generali. Consideramos a norma especial quando contiver os elementos de outra (geral) e acrescentar pormenores.

 

Assim, quando não ocorrer o crepúsculo de uma omissão real – afastadas as presunções - capaz de impedir a interpretação a respeito da incidência do tributo sobre os fatos geradores, nenhuma outra norma pode convergir para esses fatos que não a especial, a regulamentar a relação obrigacional que se estabelece entre as empresas enquadradas no SIMPLES NACIONAL e o Estado, representado pelos seus entes federados: União, Estados, Distrito Federal e Municípios.

 

E entenda-se que todos os entes representativos da nossa Federação foram citados a propósito de que a legislação especial – Lei n. º 123/06 – passa a discorrer sobre todas as obrigações tributárias das empresas do sistema, afastando, assim, naquilo que não for omissa, a aplicação das normais gerais relativas às demais empresas/contribuintes dos impostos previstos na nossa Constituição, especialmente naqueles que discorre a Carta Magna no seu Título VI – Da Tributação e Orçamento.

 

Aliás, não é preciso discorrer fartamente sobre as decisões desse Conselho de Recursos Fiscais para chegar à conclusão que é quase unânime o entendimento da preponderância da lei especial sobre a geral, a exemplo do Acórdão n. º 050/20l8, da lavra da Conselheira Maria das Graças D. de Oliveira Lima, do qual extraio excerto

 

“Com efeito, diz-se especial a norma que contém os elementos de outra (geral) e acrescenta pormenores. Ex.: ao tipo adiciona outros dados, como sujeito ativo, sujeito passivo, as circunstâncias temporais, etc. Casos em que a norma preponderante será a especial, nos termos do Princípio da Especialidade, segundo o qual a norma especial afasta a incidência da norma geral (Lex Specialis Derrogat Legi Generali).” (grifo nosso)

 

Nesse diapasão, é coerente o entendimento que a Lei n. º 123/06 é especial, sendo a geral, para os contribuintes do ICMS da Paraíba, o Decreto n. º 18.930/97, que estabelece de forma minudente, as diretrizes para a tributação, fiscalização e arrecadação do tributo no território paraibano.

 

Sendo assim, não é antijurídico interpretar que é a Lei n. º 123/06 que estabelecerá as diretrizes da tributação, arrecadação e fiscalização das empresas enquadradas no sistema do SIMPLES NACIONAL, assim como ocorre para o contribuinte, em que fica provada a adesão ao especial regime.

 

Cumpre-nos estabelecer que, assim como alegado pelo contribuinte, suas obrigações se encerram a partir do recolhimento, desde que não tenha omitido quaisquer saídas de mercadorias/prestações de serviço, do valor apurado para o SIMPLES NACIONAL. Com ele – o recolhimento – o contribuinte encerra a fase de tributação tanto para a União, quanto para o Estado, Município e Distrito Federal, se for o caso, na forma em se estabelece na Lei 123/06, mais especificamente nos artigo 1º, inciso I:

 

Art.1o Esta Lei Complementar estabelece normas gerais relativas ao tratamento diferenciado e favorecido a ser dispensado às microempresas e empresas de pequeno porte no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, especialmente no que se refere:

I - à apuração e recolhimento dos impostos e contribuições da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, mediante regime único de arrecadação, inclusive obrigações acessórias;

 

Como esposado, o referido inciso é clarividente, que as obrigações dos contribuintes enquadrados no sistema especial se esgotam a partir do recolhimento do SIMPLES NACIONAL, a partir do qual se encerra a fase de tributação tanto para os tributos de caráter federal, quanto estadual, municipal e do Distrito Federal, quando for o caso, “mediante regime único de arrecadação”, assim como disposto no destacado inciso.

 

Nesse sentido, tendo encerrado a fase de tributação para todos os entes federados, me parece bastante execrável exigir uma obrigação disposta na lei geral – Decreto n. º 18.930/97 e Lei n. ᵒ 6.379/96 – quando na lei especial, que afasta a incidência da geral, não há qualquer disposição normativa obrigando o contribuinte a ter lucro bruto igual ou superior a 30%. Aliás, se deve ter em mente que a previsão contida no referido artigo 643, para além de uma PRESUNÇÃO, TRATA-SE, DE FATO, DE UMA FICÇÃO, daquelas que se deve considerar das mais horrendas.

 

Ora, como atribuir uma acusação de sonegação a quem, no exercício de sua atividade empresarial, não obteve lucro bruto de 30%? Numa economia de mercado, como a que se estabelece no panorama dos negócios no Brasil, quem estabelece o nível de lucratividade dos negócios são as curvas de oferta e de procura, que, última análise vai estabelecer os níveis de preço da economia. E, mais tosco do que se cobrar imposto com base no malfadado Levantamento da Conta Mercadoria, o contribuinte ainda terá o ônus de se defender no âmbito da Justiça Criminal e provar ao juiz que está sendo acusado de cometer crime porque simplesmente não obteve lucratividade superior a 30% do Custo das Mercadorias Vendidas. Nada mais bizarro!

 

Aliás, o dispositivo, como pode ser percebido estapeia-se com disposições constitucionais que reconhece, no ambiente negocial nacional, os princípios da economia de mercado e da livre iniciativa. Sendo assim, para além das considerações da flagrante ilegalidade, a norma insculpida no art. 643, § 4ᵒ, II, é desastrosamente inconstitucional, senão vejamos alguns artigos contra os quais a norma sopapeia:

 

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I - a soberania;

II - a cidadania;

III - a dignidade da pessoa humana;

IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

V - o pluralismo político.

Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.

 

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

[...]

IV - livre concorrência; (grifos nosso)

[...]

Não é preciso grande exercício cognitivo para se chegar à conclusão de uma total antinomia entre os princípios constitucionais que consagram a economia de mercado, em que é a própria concorrência, entre as curvas da oferta e da procura, que vai estabelecer os preços praticados pelos ofertantes, e uma norma que obriga os contribuintes do ICMS a apresentarem lucro bruto de 30%, mas essa questão será tratada em outros fóruns.

 

A flagrante inconstitucionalidade acima demonstrada, mesmo que essa competência não seja atribuída aos órgãos de julgamento de processos fiscais/tributários, vale como referência para que se tenha como parâmetro a clara impossibilidade de se aceitar a cobrança de tributo das empresas com esse perfil com base no Levantamento da Conta Mercadorias, assim está descrito no artigo 170 da Constituição Federal já destacado

 

Ora, a livre concorrência pressupõe um ambiente mercadológico em que as empresas, para atraírem seus clientes precisam oferecer os melhores produtos/serviços a preços mais atrativos, na tentativa de que seus empreendimentos prosperem e tenham vida longa. Esse ambiente é típico das empresas de pequeno porte, com existência de muitas em “guerra” por um mercado apenas. É o que se chama em economia de ambiente atomizado.

 

Portanto, a livre concorrência, pressuposto da nossa Ordem Econômica parte de vários corolários, um dos quais está relacionado ao estabelecimento de preços pelo próprio mercado, na confrontação entre as curvas de oferta e da demanda, própria de economias capitalistas, assim como no Brasil.

 

Ora, se os preços são estabelecidos no mercado, assim como consagrado na Constituição, o lucro, que é consequência dele, também o será, sendo flagrantemente inconstitucional qualquer disposição normativa infraconstitucional que obrigue qualquer cidadão ou empresa a se comportar diferentemente, já que a Constituição de qualquer país é a base de fundamento e validade de qualquer norma.

 

E, se diga de passagem, há, na Lei n. º 123/06, apenas uma passagem que se refere à exigência de lucro bruto e, mesmo assim, de forma “transversa”. E estou aqui a me referir ao inciso X do artigo 29 do referido diploma. Ainda dessa forma, a norma destacada o faz como exigência para exclusão de ofício do SIMPLES NACIONAL, mas nunca como exigência de tributo de qualquer natureza, senão vejamos:

 

Art. 29. A exclusão de ofício das empresas optantes pelo Simples Nacional dar-se-á quando:

[...]

X - for constatado que durante o ano-calendário o valor das aquisições de mercadorias para comercialização ou industrialização, ressalvadas hipóteses justificadas de aumento de estoque, for superior a 80% (oitenta por cento) dos ingressos de recursos no mesmo período, excluído o ano de início de atividade;

 

Dessa forma, percebe-se, sem grande esforço intelectivo, que a única menção à necessidade de se estabelecer qualquer relação de lucratividade para as empresas do SIMPLES NACIONAL está insculpida na referida norma – atentando-se que em proporção diferente da prevista no Decreto n. º 18.930/97 – e, ainda assim, para efeito de exclusão do contribuinte do sistema nacional.

 

Com base nesses argumentos, seria de se esperar que a Administração Fazendária, em primeiro plano, excluísse os contribuintes do SIMPLES NACIONAL, sempre que ocorresse o fato descrito na norma destacada, para, em exercício posterior, pudesse exigir dos contribuintes excluídos – agora enquadrados no sistema comum de tributação, fiscalização e arrecadação previsto na legislação tributária paraibana (Decreto n. º 18.930/97) – as disposições do artigo 643, § 4º, II, do RICMS/PB, ocasião em que seria perfeitamente aplicável as disposições referente à Conta Mercadoria, com a exigência de lucro bruto nunca inferior a 30%.

 

Nessa medida, entendo que a exigência de auferir lucro bruto de 30%, além de execrável, espalhando, sobre o ambiente tributário do Estado, uma boa e sonora dose de insegurança jurídica, é absolutamente ilegal para as empresas do SIMPLES NACIONAL, para as quais foi imposta a obrigação, somente, de oferecer suas saídas/vendas à tributação para sobre elas aplicar a alíquota do SIMPLES NACIONAL cabível, encerrando, sem possibilidade de qualquer outra exigência, sua fase de tributação.

 

Ora, se a vigência da lei especial afasta a incidência da lei geral, como esperar que os contribuintes do SIMPLES NACIONAL, a quem foi dado o direito de usufruir das disposições da lei especial, onde não consta qualquer exigência de obter lucro bruto naquele percentual, venha a observar as disposições da lei geral, especialmente no que tange as obrigações de recolher tributo, quando na lei especial fica prevista o recolhimento unificado o regime de arrecadação de impostos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios?

 

E, em relação à inaplicabilidade da técnica fiscal, deve-se chamar atenção para um fato bastante relevante a apoiar o relatório: que estamos diante de antinomia que coloca frente a frente uma Lei Complementar de aplicação em todo o território brasileiro (Lei 123/06) com um decreto estadual que vigora apenas no território paraibano (Decreto 18.930/97). Senhores deste Conselho, quem deve se sobrepor no contexto da LEI COMPLEMENTAR VERSUS DECRETO ESTADUAL? É uma clara contradição frente à hierarquia das normas.

 

Assim, percebe-se que, na tentativa de impor ao contribuinte de perfil especial as disposições da norma geral, estará a Fazenda em clara inobservância às disposições da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, mais especialmente ao que prescreve o artigo 2º:

 

Decreto-Lei n. º 4.657/1942

Art. 2o Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue.

§ 1o A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.

§ 2o A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior.

§ 3o Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência.

 

Assim, parece-me bastante desarrazoada a exigência, muito mais ainda a cobrança de tributo através do referido levantamento. E, malgrado a primariedade do referido levantamento, entendo que, somente para aqueles contribuintes, cuja desídia sobre os seus negócios exsurge pela resistência em apurar seus resultados pelo lucro real, possa se aplicar os paradigmas do referido artigo 643. A NINGUÉM MAIS.

 

Nesse mesmo sentido, já vastos julgados do Conselho de Recursos Fiscais reconhecendo a inaplicabilidade da técnica de fiscalização para as empresas enquadradas no sistema do SIMPLES NACIONAL, a exemplo do irretocável voto do Conselheiro Sidney Watson Fagundes da Silva, que resultou no Acórdão n. º 162/2019:

 

DECADÊNCIA – PRELIMINAR NÃO ACOLHIDA – FALTA DE RECOLHIMENTO DO ICMS – SIMPLES NACIONAL - INFRAÇÃO CARACTERIZADA – AJUSTE DA PENALIDADE PROPOSTA – APLICAÇÃO DO PERCENTUAL ESTABELECIDO NOS ARTIGOS 16, I, DA RES. CGSN Nº 30/2008 E 87, I, DA RES. CGSN Nº 87/2011 – OMISSÃO DE SAÍDAS DE MERCADORIAS TRIBUTÁVEIS –– CONTA MERCADORIAS – INAPLICABILIDADE DA TÉCNICA PARA CONTRIBUINTES DO SIMPLES NACIONAL – IMPROCEDÊNCIA DA ACUSAÇÃO – REFORMADA, DE OFÍCIO, A DECISÃO RECORRIDA – AUTO DE INFRAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE – RECURSO VOLUNTÁRIO DESPROVIDO

- A identificação da existência de valores tributáveis informados nas GIM do contribuinte e não oferecidas à tributação do Simples Nacional impõe a necessidade de lançamento de ofício. Ajuste da penalidade proposta, uma vez não confirmada a ocorrência de nenhuma das condutas autorizativas da aplicação dos artigos 16, II, da Res. CGSN nº 30/2008 e 87, II, da Res. CGSN nº 94/2011.

- A técnica da Conta Mercadorias – Lucro Presumido não é aplicável para contribuinte do Simples Nacional, uma vez que o arbitramento de lucro bruto se evidencia incompatível e em total dissonância com o que estabelece a Lei Complementar nº 123/06. O contribuinte enquadrado como Simples Nacional possui características e regramento próprios, o que o coloca em situação especial, não permitindo a utilização de margem de lucro presumido para fins de surgimento da presunção juris tantum de omissão de receitas.

 

Por todo o exposto,

 

V O T O - pelo recebimento do recurso hierárquico, por regular, e, no mérito, pelo seu desprovimento, para reformar, de ofício, a sentença prolatada na primeira instância, julgando IMPROCEDENTE o Auto de Infração de Estabelecimento nº 93300008.09.00001192/2017-65, lavrado em 15/5/2017, em desfavor da empresa CAMELO ESTIVAS LTDA., inscrição estadual n° 16.038.554-7, devidamente qualificada nos autos, eximindo-a de quaisquer ônus referentes a essa ação fiscal.

 

Intimações necessárias a cargo da Repartição Preparadora na forma regulamentar.

 

 

Tribunal Pleno, sessão de julgamento realizada por meio de vídeo conferência em 26 de junho de 2020.

 

                                                                                                                                                    ANISIO DE CARVALHO COSTA NETO
                                                                                                                                                                   Conselheiro Relator 

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