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ACÓRDÃO Nº 000200/2020 PROCESSO Nº 0107682017-4

brasao paraiba
ESTADO DA PARAÍBA
SECRETARIA DE ESTADO DA RECEITA

Processo nº 010.768.2017-4
SEGUNDA CÂMARA DE JULGAMENTO
Recorrente: MEDICAL CENTER – COMÉRCIO DE PRODUTOS MÉDICOS E HOSPITALARES LTDA
Recorrida: GERÊNCIA EXECUTIVA DE JULG. DE PROCESSOS FISCAIS – GEJUP
Preparadora: UNIDADE DE ATENDIMENTO AO CIDADÃO DA SEFAZ – CAJAZEIRAS
Autuante: ESMAEL DE SOUSA FILHO
Relator: CONS.º SIDNEY WATSON FAGUNDES DA SILVA

OMISSÃO DE SAÍDAS DE MERCADORIAS TRIBUTÁVEIS –– CONTA MERCADORIAS – INAPLICABILIDADE DA TÉCNICA PARA CONTRIBUINTES DO SIMPLES NACIONAL – IMPROCEDÊNCIA DA ACUSAÇÃO - REFORMADA DE OFÍCIO A DECISÃO RECORRIDA – AUTO DE INFRAÇÃO IMPROCEDENTE – RECURSO VOLUNTÁRIO DESPROVIDO

A técnica da Conta Mercadorias – Lucro Presumido não é aplicável para contribuinte do Simples Nacional, uma vez que o arbitramento de lucro bruto se evidencia incompatível e em total dissonância com o que estabelece a Lei Complementar nº 123/06. O contribuinte enquadrado como Simples Nacional possui características e regramento próprios, que o coloca em situação especial, não permitindo a utilização de margem de lucro presumido para fins de surgimento da presunção juris tantum de omissão de receitas.

Vistos, relatados e discutidos os autos deste Processo, etc...

 

 

A C O R D A M os membros da Segunda Câmara de Julgamento deste Conselho de Recursos Fiscais, à unanimidade e de acordo com o VOTO pelo recebimento do recurso voluntário, por regular e tempestivo e, quanto ao mérito, pelo desprovimento. Contudo, em observância ao princípio da legalidade, reformo, de ofício, a decisão singular para julgar improcedente o Auto de Infração de Estabelecimento nº 93300008.09.00000128/2017-67, lavrado em 26 de janeiro de 2017 contra a empresa MEDICAL CENTER – COMÉRCIO DE PRODUTOS MÉDICOS E HOSPITALARES LTDA ME, eximindo-a de quaisquer ônus decorrentes do presente processo.
Intimações a cargo da repartição preparadora, na forma regulamentar


P.R.E.


Segunda Câmara de Julgamento, Sessão realizada por meio de videoconferência, em 25 de junho de 2020.





                                                           SIDNEY WATSON FAGUNDES DA SILVA
                                                                            Conselheiro Relator



                                                        GIANNI CUNHA DA SILVEIRA CAVALCANTE
                                                                                   Presidente


Participaram do presente julgamento os membros da Segunda Câmara de Julgamento, PETRONIO RODRIGUES LIMA, DAYSE ANNYEDJA GONÇALVES CHAVES e MAIRA CATÃO DA CUNHA CAVALCANTI SIMÕES.





                                                          FRANCISCO GLAUBERTO BEZERRA JÚNIOR
                                                                              Assessor Jurídico

Em análise nesta Corte, o recurso voluntário interposto contra decisão monocrática que julgou procedente o Auto de Infração de Estabelecimento nº 93300008.09.00000128/2017-67, lavrado em 26 de janeiro de 2017 em desfavor da empresa MEDICAL CENTER – COMÉRCIO DE PRODUTOS MÉDICOS E HOSPITALARES LTDA ME, inscrição estadual nº 16.159.636-3.

Na referida peça acusatória, consta a seguinte denúncia, ipsis litteris:

 

0027 – OMISSÃO DE SAÍDAS DE MERCADORIAS TRIBUTÁVEIS – CONTA MERCADORIAS >> Contrariando dispositivos legais, o contribuinte omitiu saídas de mercadorias tributáveis, resultando na falta de recolhimento do ICMS. Irregularidade esta detectada através do levantamento Conta Mercadorias.

 

Nota Explicativa:

CONTRARIANDO DISPOSITIVOS LEGAIS, O CONTRIBUINTE OMITIU SAÍDAS DE MERCADORIAS TRIBUTÁVEIS, RESULTANDO NA FALTA DE RECOLHIMENTO DO ICMS. IRREGULARIDADE ESTA DETECTADA ATRAVÉS DO LEVANTAMENTO CONTA MERCADORIAS.

Em decorrência deste fato, o representante fazendário, considerando haver o contribuinte infringido os artigos 158, I; 160, I; c/ fulcro nos artigos 643, § 4º, II e 646, parágrafo único, todos do RICMS/PB, lançou um crédito tributário na quantia total de R$ 26.640,82 (vinte e seis mil, seiscentos e quarenta reais e oitenta e dois centavos), sendo R$ 13.320,41 (treze mil, trezentos e vinte reais e quarenta e um centavos) de ICMS e R$ 13.320,41 (treze mil, trezentos e vinte reais e quarenta e um centavos) a título de multa por infração, com fulcro no artigo 82, V, “a”, da Lei nº 6.379/96.

Documentos instrutórios às fls. 4 a 91.

Depois de cientificada por via postal em 3 de fevereiro de 2017 (fls. 92), nos termos do artigo 46, II, da Lei nº 10.094/13, a autuada, por intermédio de sua representante legal, apresentou, em 24 de fevereiro de 2017, impugnação tempestiva contra os lançamentos dos créditos tributários consignados no Auto de Infração em análise (fls. 94 a 98), por meio da qual afirma que:

a)      Na conta gráfica do exercício de 2013 apresentada pelo auditor fiscal às fls. 9, o valor de R$ 480.372,95 (quatrocentos e oitenta mil, trezentos e setenta e dois reais e noventa e cinco centavos) referente às entradas de mercadorias com tributação normal por compras não corresponde à realidade fática, pois o autor não considerou os valores das mercadorias adquiridas pelo regime de substituição tributária no valor de R$ 12.000,00 (doze mil reais);

b)      Quanto às saídas de mercadorias com tributação normal, também incorreu em equívoco a fiscalização, vez que registrou o montante de R$ 528.673,66 (quinhentos e vinte e oito mil, seiscentos e setenta e três reais e sessenta e seis centavos), quando o correto é R$ 540.104,76 (quinhentos e quarenta mil, cento e quatro reais e setenta e seis centavos), conforme demonstrado no Livro Registro de Saídas (cópias em anexo);

c)      Feitos os ajustes necessários, não há diferença tributável a ser exigida pelo Fisco.

 

Considerando as informações apresentadas, a autuada requereu a improcedência do Auto de Infração de Estabelecimento nº 93300008.00000128/2017-67.

Com a informação de inexistência de antecedentes fiscais (fls. 100), foram os autos conclusos (fls. 101) e remetidos à Gerência Executiva de Julgamento de Processos Fiscais, onde foram distribuídos à julgadora fiscal Rosely Tavares de Arruda, que decidiu pela procedência da exigência fiscal, nos termos da seguinte ementa:

 

PRESUNÇÃO LEGAL DE OMISSÃO DE VENDAS DE MERCADORIAS TRIBUTÁVEIS. CONTA MERCADORIAS. INFRAÇÃO MANTIDA.

As diferenças apuradas na Conta Mercadorias caracterizam a omissão de saídas de mercadorias tributáveis, sem o recolhimento do imposto, conforme presunção legal, não tendo o contribuinte apresentado provas capazes de descaracterizar a infração inserta na inicial.

AUTO DE INFRAÇÃO PROCEDENTE

Cientificada da decisão proferida pela instância prima em 28 de fevereiro de 2019, a autuada interpôs, em 27 de março de 2019, recurso voluntário tempestivo ao Conselho de Recursos Fiscais do Estado da Paraíba, por meio do qual advoga que:

a)      O levantamento fiscal encontra-se eivado de vícios insanáveis, acarretando incerteza e iliquidez do crédito tributário;

b)      Os documentos apresentados na impugnação comprovam que a recorrente obteve, no exercício de 2013, lucro de 32,74% (trinta e dois inteiros e setenta e quatro centésimos por cento), o que demonstra não haver violado quaisquer dispositivos da legislação estadual.

 

Com fundamento nas razões acima expostas, a recorrente requer a improcedência do Auto de Infração em tela.

Remetidos ao Conselho de Recursos Fiscais, foram os autos distribuídos a esta relatoria, segundo os critérios regimentais, para apreciação e julgamento.

Eis o relatório.

 

VOTO

 

A quaestio juris versa sobre a denúncia de omissão de saídas de mercadorias tributáveis – Conta Mercadorias no exercício de 2013, formalizada contra a empresa MEDICAL CENTER – COMÉRCIO DE PRODUTOS MÉDICOS E HOSPITALARES LTDA ME.

Esta conduta, nos termos da legislação de regência, fez surgir a presunção de omissão de saídas de mercadorias tributáveis sem o pagamento do imposto correspondente, fato este que motivou o lançamento de ofício.

A Conta Mercadorias – Lucro Presumido é uma técnica fiscal que se aplica aos casos em que o contribuinte não possui contabilidade regular, circunstância em que se arbitra o lucro de 30% (trinta por cento) sobre o Custo das Mercadorias Vendidas - CMV. Caso o valor das vendas seja inferior ao CMV acrescido deste percentual de lucro, a legislação tributária estadual autoriza a fiscalização a lançar mão da presunção de que houve saídas de mercadorias tributáveis sem pagamento do imposto, nos termos do que dispõem os artigos 3º, § 9º, da Lei nº 6.379/96; 643, § 4º, II e 646 do RICMS/PBElaboração de Demonstrativo Financeiro, através do qual deverão ser evidenciadas todas as receitas e despesas, bem como a disponibilidade financeira existente em Caixa e Bancos, devidamente comprovada, no início e no final do período fiscalizado;

b)      Levantamento da Conta Mercadorias, caso em que o montante das vendas deverá ser equivalente ao custo das mercadorias vendidas (CMV) acrescido de valor nunca inferior a 30% (trinta por cento) para qualquer tipo de atividade, observado o disposto no inciso III do parágrafo único do art. 24, do RICMS/PB.

 

Ao dispor acerca deste último procedimento, o RICMS/PB, ao estabelecer percentual (30%) a ser acrescido ao Custo de Mercadorias Vendidas, mostra-se claramente em dissonância com a sistemática estabelecida pela LC nº 123/06.

Importante destacarmos que o RICMS/PB é anterior à LC nº 123/06. Também convém salientarmos que, além de hierarquicamente superior àquele, esta última dispõe sobre matéria de conteúdo especial.

Destarte, sob qualquer critério que se analise (hierárquico, cronológico ou da especialidade), deve prevalecer a LC nº 123/06, afastando-se o RICMS/PB, naquilo que se mostrar incompatível com a Lei Complementar.

O contribuinte enquadrado como Simples Nacional recolhe o tributo devido sobre o seu faturamento, em observância ao que estabelece o artigo 18, § 3º, da LC nº 123/06:

 

 

Art. 18.  O valor devido mensalmente pela microempresa ou empresa de pequeno porte optante pelo Simples Nacional será determinado mediante aplicação das alíquotas efetivas, calculadas a partir das alíquotas nominais constantes das tabelas dos Anexos I a V desta Lei Complementar, sobre a base de cálculo de que trata o § 3o deste artigo, observado o disposto no § 15 do art. 3º.

 

(...)

 

§ 3º Sobre a receita bruta auferida no mês incidirá a alíquota determinada na forma do caput e dos §§ 1º e 2º deste artigo, podendo tal incidência se dar, à opção do contribuinte, na forma regulamentada pelo Comitê Gestor, sobre a receita recebida no mês, sendo essa opção irretratável para todo o ano-calendário.

 

§ 3º Sobre a receita bruta auferida no mês incidirá a alíquota efetiva determinada na forma do caput e dos §§ 1º, 1º-A e 2º deste artigo, podendo tal incidência se dar, à opção do contribuinte, na forma regulamentada pelo Comitê Gestor, sobre a receita recebida no mês, sendo essa opção irretratável para todo o ano-calendário. (Redação dada pela Lei Complementar nº 155, de 2016)

 

Destarte, o contribuinte que apura e recolhe o tributo com base nos dispositivos acima reproduzidos, estará em situação regular quanto à obrigação principal à luz da LC nº 123/06.

A cobrança de tributos, por força do que estabelece o artigo 3º do Código Tributário Nacional, é uma atividade administrativa vinculada, não sendo possível ao auditor fiscal agir de forma discricionária.

Esta ressalva se faz necessária para explicar que, no caso em comento, não estamos afastando a aplicabilidade do artigo 643, § 4º, do RICMS/PB, tampouco deixando ao talante da autoridade fiscal a possibilidade de “escolher” quando utilizá-la. Uma análise mais atenta do dispositivo citado nos permite concluir que a solução para a questão se extrai do § 4º do referido artigo. Vejamos:

 

Art. 643. No interesse da Fazenda Estadual, será procedido exame nas escritas fiscal e contábil das pessoas sujeitas à fiscalização, especialmente no que tange à exatidão dos lançamentos e recolhimento do imposto, consoante as operações de cada exercício.

 

(...)

 

§ 3º No exame da escrita fiscal de contribuinte que não mantenha escrituração contábil regular devidamente registrada na Junta Comercial, será exigido o livro Caixa, devidamente autenticado pela repartição fiscal do domicílio do contribuinte, com a escrituração analítica dos recebimentos e pagamentos ocorridos em cada mês.

 

§ 4º Para efeito de aferição da regularidade das operações quanto ao recolhimento do imposto, deverão ser utilizados, onde couber, os procedimentos abaixo, dentre outros, cujas repercussões são acolhidas por este Regulamento:

 

I - a elaboração de Demonstrativo Financeiro, através do qual deverão ser evidenciadas todas as receitas e despesas, bem como considerada a disponibilidade financeira existente em Caixa e Bancos, devidamente comprovada, no início e no final do período fiscalizado;

 

II - o levantamento da Conta Mercadorias, caso em que o montante das vendas deverá ser equivalente ao custo das mercadorias vendidas (CMV) acrescido de valor nunca inferior a 30% (trinta por cento) para qualquer tipo de atividade, observado o disposto no inciso III do parágrafo único do art. 24. (g. n.)

 

Partindo do princípio de que a lei não contém palavras inúteis, a expressão “onde couber” indica que os procedimentos previstos nos incisos I e II do § 4º do artigo 643 do RICMS/PB não são obrigatórios para todo e qualquer exame da escrita fiscal de contribuinte que não mantenha escrituração contábil regular.

Este comando, portanto, não é taxativo e não vincula o auditor fiscal a adotá-los em todas as situações, mas somente nos casos em que “couberem”.

O contribuinte enquadrado como Simples Nacional, como já demonstrado, possui características e regramento próprios, o que o coloca em situação especial, não permitindo a utilização de margem de lucro presumido para fins de surgimento da presunção juris tantum de omissão de receitas.

Na LC nº 123/06, não há qualquer exigência neste sentido para fins de tributação. Apenas no inciso X do seu artigo 29 consta uma referência ao lucro bruto – ainda que de forma indireta -, contudo para efeito de exclusão do regime.

 

Art. 29. A exclusão de ofício das empresas optantes pelo Simples Nacional dar-se-á quando:

(...)

X – for constatado que durante o ano-calendário o valor das aquisições de mercadorias para comercialização ou industrialização, ressalvadas hipóteses justificadas de aumento de estoque, for superior a 80% (oitenta por cento) dos ingressos de recursos no mesmo período, excluído o ano de início de atividade;

 

Somente depois de excluído do Simples Nacional, o Fisco está autorizado a lançar mão da Conta Mercadorias – Lucro Presumido para aqueles que não detenham escrita contábil, o que não implica dizer que o contribuinte, enquanto enquadrado na sistemática da LC nº 123/06, esteja “blindado”. A fiscalização tem o poder-dever de verificar a regularidade das operações do contribuinte, utilizando-se, para tanto, dos demais recursos de que dispõe para cumprir o seu mister.

Diante de todo o exposto, resta-me improceder a denúncia de omissão de saídas de mercadorias tributáveis – Conta Mercadorias.

 

Com estes fundamentos,

 

VOTO pelo recebimento do recurso voluntário, por regular e tempestivo e, quanto ao mérito, pelo desprovimento. Contudo, em observância ao princípio da legalidade, reformo, de ofício, a decisão singular para julgar improcedente o Auto de Infração de Estabelecimento nº 93300008.09.00000128/2017-67, lavrado em 26 de janeiro de 2017 contra a empresa MEDICAL CENTER – COMÉRCIO DE PRODUTOS MÉDICOS E HOSPITALARES LTDA ME, eximindo-a de quaisquer ônus decorrentes do presente processo.

Intimações a cargo da repartição preparadora, na forma regulamentar.



[1] Redações vigentes à época dos fatos.




 

 

Segunda Câmara de Julgamento, sessão realizada por meio de videoconferência, em 25 de junho de 2020.

 

Sidney Watson Fagundes da Silva
Conselheiro Relator

 

Os Textos disponibilizados na Internet não substituem os publicados oficialmente, por determinação legal.

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