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ACÓRDÃO Nº.327/2019

brasao paraiba
ESTADO DA PARAÍBA
SECRETARIA DE ESTADO DA RECEITA

PROCESSO Nº0110332016-5
SEGUNDA CÂMARA DE JULGAMENTO
Recorrente:GERÊNCIA EXECUTIVA DE JULGAMENTO DE PROCESSOS FISCAIS-GEJUP
Recorrida:MIRANDA FREIRE COMÉRCIO E INDÚSTRIA
Repartição Preparadora:CENTRO DE ATENDIMENTO AO CIDADÃO DA GR1 DA SEFAZ
Autuante(s):JOSE INACIO DE OLIVEIRA
Relatora:CONS.ªMAIRA CATÃO  DA CUNHA CAVALCANTI SIMÕES

OMISSÃO DE SAÍDAS DE MERCADORIAS TRIBUTÁVEIS. CONTA MERCADORIAS. CONTRIBUINTE OPTANTE PELO REGIME DE TRIBUTAÇÃO SIMPLES NACIONAL. TÉCNICA DE FISCALIZAÇÃO INADEQUADA. ALTERADA DE OFÍCIO A DECISÃO RECORRIDA QUANTO A FUNDAMENTAÇÃO. AUTO DE IMPROCEDENTE. RECURSO HIERÁRQUICO DESPROVIDO.

A legislação estadual autoriza a presunção legal de omissão de saídas de mercadorias tributáveis sem o pagamento do imposto estadual, quando for detectada diferença tributável via Conta Mercadorias, na hipótese de o sujeito passivo não possuir escrita contábil.
No entanto, a técnica da Conta Mercadorias – Lucro Presumido não é aplicável para contribuinte do Simples Nacional, uma vez que o arbitramento de lucro bruto se evidencia incompatível com o que estabelece a Lei Complementar nº 123/06. O contribuinte optante do Simples Nacional observa características e regramento próprios, o que o coloca em situação diferenciada, não sendo possível a utilização de margem de lucro presumido para apuração de omissão de receitas.

Vistos, relatados e discutidos os autos deste Processo, etc...

 

 

A C O R D A M os membros da Segunda Câmara de Julgamento deste Conselho de Recursos Fiscais, à unanimidade e de acordo com o voto da relatora, pelo recebimento do recurso hierárquico, por regular e, quanto ao mérito pelo seu desprovimento, todavia, por dever de ofício, decido alterar quanto ao fundamento à sentença exarada na instância monocrática, e julgar improcedente o Auto de Infração de Estabelecimento n.º 93300008.09.00000067/2016-57 (fl. 3), lavrado em 29/1/2016, contra a empresa MIRANDA FREIRE COMERCIO E INDÚSTRIA LTDA ME, inscrita no CCICMS/PB, sob nº 16.001.605-3, devidamente qualificada nos autos, desobrigando-a de quaisquer ônus decorrentes do presente processo, em conformidade com as razões exaradas neste voto.

 
             P.R.I
 

Segunda Câmara de Julgamento, Sala das Sessões Pres. Gildemar Pereira de Macedo, em 14 de junho de 2019.

 

                                                                          MAIRA CATÃO DA CUNHA CAVALCANTI SIMÕES
                                                                                                   Conselheira Relatora

  

                                                                                 GIANNI CUNHA DA SILVEIRA CAVALCANTE
                                                                                                           Presidente
 

Participaram do presente julgamento os membros da Segunda Câmara de Julgamento, DAYSE ANNYEDJA GONÇALVES CHAVES, FERNANDA CÉFORA VIEIRA BRAZ (SUPLENTE) e SIDNEY WATSON FAGUNDES DA SILVA.
  

                                                                                FRANCISCO GLAUBERTO BEZERRA JÚNIOR
                                                                                                       Assessor Jurídico

#R E L A T Ó R I O



 

Em análise, neste egrégio Conselho de Recursos Fiscais, o recurso hierárquico interposto nos moldes do art. 80 da Lei nº 10.094/2013 contra a decisão monocrática que julgou improcedente o Auto de Infração de Estabelecimento nº 93300008.09.00000067/2016-57 (fls. 3), lavrado em 29/1/2016, que denuncia a empresa, acima identificada, pelo cometimento da irregularidade abaixo transcrita, ipsis litteris:

 

 

OMISSÃO DE SAÍDAS DE MERCADORIAS TRIBUTÁVEIS – CONTA MERCADORIAS >> Contrariando dispositivos legais, o contribuinte omitiu saídas de mercadorias tributáveis, resultando na falta de recolhimento do ICMS. Irregularidade esta detectada através do Levantamento Conta Mercadorias.

 

Nota Explicativa:

O CONTRIBUINTE ACIMA QUALIFICADO DEIXOU DE RECOLHER AOS COFRES DO ESTADO IMCS, CONFORME DEMONSTRATIVOS EM ANEXO.

 

 

Pelos fatos, fora enquadrada a infração nos arts. 643, §4º, 106, 158, I e 160, I c/c 646, § único, todos do RICMS/PB, aprovado pelo Decreto nº 18.930/97, sendo proposta aplicação de multa por infração com fulcro no art. 82, V, “a” da Lei nº 6.379/96, perfazendo um crédito tributário no valor de R$ 79.953,38 (setenta e nove mil, novecentos e cinquenta e três reais e trinta e oito centavos), sendo, R$ 39.976,69 (trinta e nove mil, novecentos e setenta e seis reais e sessenta e nove centavos) de ICMS, e R$ 39.976,69 (trinta e nove mil, novecentos e setenta e seis reais e sessenta e nove centavos), referente à penalidade por infração.

 

Documentos instrutórios anexos às fls. 4 a 32 dos autos.

Depois de cientificada, da acusação por via postal - AR, fl. 38, em 25/2/2016, e por meio de Edital nº 00211/2016 em 1/3/2016, nos termos do § 1° do artigo 46, da Lei nº 10.094/13 (fl.40), a autuada apresentou, tempestivamente, peça reclamatória contra o lançamento do crédito tributário consignado no Auto de Infração em análise (fls. 43 a 45), protocolada em 7/4/2016, por intermédio de seu representante legal (fls.50), na qual alega os seguintes pontos:

a)      Que a empresa estava sem movimento a quase 5 (cinco) anos e em todo esse período vem cumprindo com todas as suas obrigações acessórias, inclusive a informação do estoque em 31/12/2010, que era de R$ 189.890,00;

b)      O estoque existente em 31/12/2010 era composto de papéis planos, bobinas de papel, sacos e envelope que com a ação do tempo, umidade, mofo, insetos, etc., foram totalmente deteriorados e por esse motivo consta no processo pedido de baixa de inscrição estadual;

c)      Que a fiscalização em nenhum momento procurou os representantes da empresa ou seus procuradores para averiguação de quaisquer pendências, solicitação de documentos ou informações;

d)     Os sócios são pessoas idosas com mais de 95 anos e por esse motivo não foi possível continuar o negócio, parando totalmente as atividades no ano de 2010;

e)      Que é uma empresa idônea, existente a mais de 40 anos no mercado e com um histórico limpo em relação ao cumprimento de suas obrigações tributárias em todas as esferas;

f)       Que na época dos fatos, a empresa era optante do Simples Nacional, motivo pelo qual não se justifica a cobrança do ICMS pela alíquota de 17%, razão pela qual a cobrança é indevida;

g)       Que seja excluído o nome de Yara Guedes Miranda Freire, que figura no Auto de Infração como responsável pela empresa, vez que a mesma não é sócia ou detém qualquer participação no capital da empresa.

Por fim, requer que seja acolhida a presente defesa com o fim de afastar o Auto de Infração em análise.

Sem informações de antecedentes fiscais em relação a presente acusação, fl. 51, foram os autos conclusos e remetidos à instância prima, sendo distribuídos à julgadora fiscal, Eliane Vieira Barreto Costa, que, após apreciação e análise, fls. 54 - 58, decidiu pela improcedência da autuação, de acordo com a sua ementa que abaixo transcrevo:

 

OMISSÃO DE SAÍDAS DE MERCADORIAS TRIBUTÁVEIS – CONTA MERCADORIAS – DENÚNCIA NÃO COMPROVADA.

 

- A necessidade de correção dos dados que compõem a Conta Mercadorias apontou para a inexistência de repercussão tributária.

 

AUTO DE INFRAÇÃO IMPROCEDENTE.

 

Seguindo os trâmites processuais, com recurso hierárquico, (fl. 59), foi efetuada a regular ciência da decisão monocrática à autuada, conforme atestam a notificação, (fl. 60), o Aviso de Recebimento, (fl. 61), e por meio de Edital nº 00114/2018 (fl.62), em 17/8/2018.

 

Regularmente cientificada da decisão singular a autuada não apresentou recurso a esta Casa. 

 

Enfim, os autos foram remetidos a esta Corte Julgadora, distribuídos a mim, por critério regimentalmente previsto, para apreciação e julgamento.

 

É o relatório.

 

 

V O T O



 

A questão versa sobre a denúncia de omissão de saídas de mercadorias tributáveis – Conta Mercadorias no exercício de 2011, formalizada contra a empresa MIRANDA FREIRE COMERCIO E INDUSTRIA LTDA ME.

Esta conduta, nos termos da legislação de regência, fez surgir a presunção de omissão de saídas pretéritas de mercadorias tributáveis sem o pagamento do imposto correspondente, fato este que motivou o lançamento de ofício.

De início, cabe considerar que o lançamento fiscal se procedeu conforme os requisitos da legislação de regência, estando nele delineadas as formalidades prescritas no art. 142 do CTN e nos dispositivos constantes nos arts. 14, 16 e 17, da Lei estadual, nº 10.094/2013 (Lei do PAT), não se vislumbrando quaisquer incorreções ou omissões que venham a caracterizar a sua nulidade.

 

OMISSÃO DE SAÍDAS DE MERCADORIAS TRIBUTÁVEIS. – CONTA MERCADORIAS. (Exercícios de 2011).

 

A acusação descrita no Auto de Infração versa sobre a denúncia de omissão de saídas de mercadorias tributáveis – Conta Mercadorias no exercício de 2011.

Esta conduta, nos termos da legislação de regência, fez surgir a presunção de omissão de saídas pretéritas de mercadorias tributáveis sem o pagamento do imposto correspondente, fato este que motivou o lançamento de ofício.

A Conta Mercadorias – Lucro Presumido é uma técnica fiscal que se aplica aos casos em que o contribuinte não possui contabilidade regular, circunstância em que se arbitra o lucro de 30% (trinta por cento) sobre o Custo das Mercadorias Vendidas - CMV. Caso o valor das vendas seja inferior ao CMV acrescido deste percentual de lucro, a legislação tributária estadual autoriza a fiscalização a lançar mão da presunção de que houve saídas de mercadorias tributáveis sem pagamento do imposto, nos termos do que dispõem os artigos 3º, § 9º, da Lei nº 6.379/96; 643, § 4º, II do RICMS/PB[1], in verbis:

 

Lei nº 6.379/96:

 

Art. 3º O imposto incide sobre:

(...)

§ 8º O fato de a escrituração indicar insuficiência de caixa e bancos, suprimentos a caixa e bancos não comprovados ou a manutenção no passivo de obrigações já pagas ou inexistentes, bem como a ocorrência de entrada de mercadorias não contabilizadas ou de declarações de vendas pelo contribuinte em valores inferiores às informações fornecidas por instituições financeiras e administradoras de cartões de crédito, autorizam a presunção de omissão de saídas de mercadorias tributáveis ou de prestações de serviços sem o recolhimento do imposto, ressalvada ao contribuinte a prova da improcedência da presunção.

§ 9º A presunção de que cuida o § 8º, aplica-se, igualmente, a qualquer situação em que a soma dos desembolsos no exercício seja superior à receita do estabelecimento, levando-se em consideração os saldos inicial e final de caixa e bancos, assim como a diferença tributável verificada no levantamento da Conta Mercadorias, quando do arbitramento do lucro bruto ou da comprovação de que houve saídas de mercadorias de estabelecimento industrial em valor inferior ao Custo dos Produtos Fabricados ou Vendidos, conforme o caso.

 

RICMS/PB:

 

Art. 643. No interesse da Fazenda Estadual, será procedido exame nas escritas fiscal e contábil das pessoas sujeitas à fiscalização, especialmente no que tange à exatidão dos lançamentos e recolhimento do imposto, consoante as operações de cada exercício.

 

(...)

 

§ 3º No exame da escrita fiscal de contribuinte que não mantenha escrituração contábil regular devidamente registrada na Junta Comercial, será exigido o livro Caixa, devidamente autenticado pela repartição fiscal do domicílio do contribuinte, com a escrituração analítica dos recebimentos e pagamentos ocorridos em cada mês.

 

§ 4º Para efeito de aferição da regularidade das operações quanto ao recolhimento do imposto, deverão ser utilizados, onde couber, os procedimentos abaixo, dentre outros, cujas repercussões são acolhidas por este Regulamento:

 

I - a elaboração de Demonstrativo Financeiro, o qual deverá ser aplicado em estabelecimentos que comercializem apenas mercadorias tributáveis, onde deverão ser evidenciadas todas as receitas e despesas operacionais ou não operacionais, bem como considerada a disponibilidade financeira existente em Caixa e Bancos, devidamente comprovadas, no início e no final do período fiscalizado;

 

II - o levantamento da Conta Mercadorias, caso em que o montante das vendas deverá ser equivalente ao custo das mercadorias vendidas (CMV) acrescido de valor nunca inferior a 30% (trinta por cento) para qualquer tipo de atividade, devendo tal acréscimo satisfazer as despesas arroladas no Demonstrativo Financeiro de que trata o inciso anterior, deste parágrafo, sendo, ainda, vedada a exclusão do ICMS dos estoques, compras e vendas realizadas, prevalecendo tal exclusão apenas para aqueles que mantenham escrita contábil regular.

 

(...)

 

Art. 646. O fato de a escrituração indicar insuficiência de caixa e bancos, suprimentos a caixa e bancos não comprovados ou a manutenção no passivo de obrigações já pagas ou inexistentes, bem como a ocorrência de entrada de mercadorias não contabilizadas ou de declarações de vendas pelo contribuinte em valores inferiores às informações fornecidas por instituições financeiras e administradoras de cartões de crédito, autorizam a presunção de omissão de saídas de mercadorias tributáveis ou de prestações de serviços sem o recolhimento do imposto, ressalvada ao contribuinte a prova da improcedência da presunção.

 

Parágrafo único. A presunção de que cuida este artigo aplica-se, igualmente, a qualquer situação em que a soma dos desembolsos no exercício seja superior à receita do estabelecimento, levando-se em consideração os saldos inicial e final de caixa e bancos, assim como a diferença tributável verificada no levantamento da Conta Mercadorias, quando do arbitramento do lucro bruto ou da comprovação de que houve saídas de mercadorias de estabelecimento industrial em valor inferior ao Custo dos Produtos Fabricados ou Vendidos, conforme o caso.

 

Por imperativo legal, a constatação desta omissão obriga o auditor fiscal a lançar, de ofício, o crédito tributário decorrente desta infração, tendo em vista a receita marginal originária das saídas omitidas afrontar o disciplinamento contido nos art. 158, I, e art. 160, I, ambos do RICMS/PB, os quais transcrevemos a seguir:

 

Art. 158. Os contribuintes, excetuados os produtores agropecuários, emitirão Nota Fiscal, modelos 1 ou 1-A, Anexos 15 e 16:

 

I - sempre que promoverem saída de mercadorias;

 

Art. 160. A nota fiscal será emitida:

 

I - antes de iniciada a saída das mercadorias;

Como forma de garantir efetividade ao comando insculpido nos dispositivos anteriormente reproduzidos, a Lei nº 6.379/96, em seu artigo 82, V, “a”, estabeleceu a penalidade aplicável àqueles que violarem as disposições neles contidas.

 

Art. 82. As multas para as quais se adotará o critério referido no inciso II, do art. 80, serão as seguintes:

 

(...)

 

V - de 100% (cem por cento):

 

a) aos que deixarem de emitir nota fiscal pela entrada ou saída de mercadorias, de venda a consumidor ou de serviço, ou as emitirem sem observância dos requisitos legais;

A presunção de que trata o artigo 646 do RICMS/PB, contudo, é relativa, cabendo ao contribuinte a prova da sua improcedência, conforme prevê a parte final do caput do referido artigo.

Valendo-se do seu direito à ampla defesa e ao contraditório, a autuada, por meio de sua impugnação, alega, que a empresa estava sem movimento há quase 5 anos e em todo esse período vem cumprindo com todas as suas obrigações acessórias, inclusive a informação do estoque apurado em 31/12/2010, no valor de R$ 189.890,00 (cento e oitenta e nove mil, oitocentos e noventa reais), e questiona o percentual e se manifesta contrariamente à aplicação da regra geral de tributação para contribuinte enquadrado no Simples Nacional.

 

A decisão singular tratou detalhadamente acerca de cada um dos pontos trazidos à baila pela defesa, inclusive a diligente julgadora de 1ª Instância consultou o Sistema ATF da Secretaria de Estado da Receita da Paraíba (Módulo Atendimento/Dossiê do Contribuinte – Estoque) e verificou que não foi levado em consideração na Conta Mercadorias do exercício de 2011 o valor do Estoque Final declarado na GIM Dados Anuais de 2012 assim, concluiu que a Conta Mercadorias fora elaborada de forma inconsistente, refazendo a Conta Mercadorias.

 

Desta forma, ante a inexistência de repercussão tributária, desconstituiu o crédito tributário relativo ao presente caso.

Não obstante o contribuinte haver deixado de apresentar recurso voluntário ao Conselho de Recursos Fiscais, reputo necessário tecermos alguns comentários acerca do caso concreto, em razão de recente mudança de entendimento desta Corte quanto à aplicabilidade da Conta Mercadorias para contribuintes enquadrados como Simples Nacional.

Em consulta ao Sistema ATF da Secretaria de Estado da Receita da Paraíba[2], foi possível constatar que, atualmente, a empresa está cadastrada como contribuinte NORMAL. Seu regime de apuração, todavia, sofreu diversas alterações ao longo do tempo.

Em relação ao período autuado, a situação da empresa, quanto ao regime tributário, era a seguinte:

 

Exercício

Regime de Apuração

2011

SIMPLES NACIONAL

 

Feitas estas observações, passemos à análise da denúncia.

 

Não podemos perder de vista que a LC nº 123/06, em seu artigo 34, é clara acerca da aplicação das presunções de omissão de receitas para contribuintes do Simples Nacional.

Art. 34.  Aplicam-se à microempresa e à empresa de pequeno porte optantes pelo Simples Nacional todas as presunções de omissão de receita existentes nas legislações de regência dos impostos e contribuições incluídos no Simples Nacional.

Pois bem. Em que pesem os argumentos apresentados pela impugnante, entendo que a própria Lei Complementar nº 123/06, em seu artigo 13, § 1º, “f”, ofereceu solução clara para a questão, ao determinar que, nas operações ou prestações desacobertadas de documento fiscal (omissão de receitas), seja aplicada a legislação tributária atribuída às demais pessoas jurídicas. A clareza do texto normativo não exige do hermeneuta maiores esforços interpretativos. Senão vejamos:

Art. 13.  O Simples Nacional implica o recolhimento mensal, mediante documento único de arrecadação, dos seguintes impostos e contribuições:

(...)

§ 1o O recolhimento na forma deste artigo não exclui a incidência dos seguintes impostos ou contribuições, devidos na qualidade de contribuinte ou responsável, em relação aos quais será observada a legislação aplicável às demais pessoas jurídicas:

(...)

XIII - ICMS devido:

(...)

f) na operação ou prestação desacobertada de documento fiscal; (g. n.)

O comando insculpido no dispositivo acima transcrito não deixa dúvidas quanto à necessidade de deslocamento da sistemática de apuração do ICMS para o regime geral quando o contribuinte, enquadrado como Simples Nacional, realiza quaisquer das condutas descritas no inciso XIII do § 1º do artigo 13, da Lei Complementar nº 123/2006.

É exatamente esta a regra adotada quando, por exemplo, o Simples Nacional atua como substituto tributário ou quando realiza uma operação de importação. Em todos estes casos (incluindo a conduta descrita no Auto de Infração), deve-se observar a legislação aplicável às demais pessoas jurídicas.

Ressalte-se que não estamos diante de um conflito aparente de normas, muito menos de aplicação de lei mais gravosa ao contribuinte. É o próprio princípio da especialidade (observância à LC nº 123/06) que impõe aos destinatários da norma a obrigatoriedade de observar as regras gerais, sempre que o contribuinte realizar uma conduta que se amolde perfeitamente às situações descritas no artigo 13, § 1º, XIII, da LC nº 123/06 (fenômeno da subsunção).

A matéria já fora analisada em diversas oportunidades por este Colegiado, que, de forma reiterada, vem decidindo acerca do afastamento da LC nº 123/06 nos casos em que se constate haver o contribuinte omitido saídas tributadas. Como exemplo, trazemos a ementa do Acórdão CRF n° 390/2013, da lavra do eminente Cons.º Rodrigo Antônio Alves Araújo, que assim dispõe:

 

RECURSO HIERÁRQUICO PARCIALMENTE PROVIDO - CARTÃO DE CRÉDITO – PRESUNÇÃO LEGAL DE OMISSÃO DE SAÍDAS DE MERCADORIAS TRIBUTADAS - AJUSTES REALIZADOS NO PERCENTUAL DE MULTA – REFORMADA DECISÃO RECORRIDA – AUTO DE INFRAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE.

Quando as vendas de cartão de crédito declaradas pelo contribuinte são inferiores aos valores informados pelas administradoras de cartão de crédito e débito, surge a presunção legal de omissão de saídas de mercadorias tributáveis. “In casu”, o pagamento já realizado em face da notificação para recolhimento do ICMS teve por cerne a alíquota do simples nacional, cabendo a complementação do imposto em razão do novo critério da Secretaria de Estado da Receita, que determinou através da Instrução Normativa nº 009/2013/GSER a observância da legislação aplicável às demais pessoas jurídicas. Redução da multa em decorrência da Lei nº 10.008/2013.

 

Para demonstrar a perenidade deste entendimento na instância ad quem, reproduzo abaixo o recentíssimo Acórdão nº 91/2019, do ilustre Conselheiro Petrônio Rodrigues Lima:

 

OMISSÃO DE RECEITAS. LEVANTAMENTO FINANCEIRO. INFRAÇÃO CARACTERIZADA EM PARTE. SIMPLES NACIONAL. LEGISLAÇÃO APLICÁVEL ÀS DEMAIS PESSOAS JURÍDICAS. MULTA RECIDIVA. INAPLICÁVEL. REINCIDÊNCIA NÃO CONFIGURADA. MANTIDA A DECISÃO RECORRIDA. AUTO DE INFRAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE. RECURSOS HIERÁRQUICO E VOLUNTÁRIO DESPROVIDOS.

- Diferença apurada em Levantamento Financeiro enseja a ocorrência de omissão de saídas tributáveis sem o pagamento do imposto, conforme presunção relativa contida na legislação de regência. 

- Excluída parte do imposto apurado no Levantamento Financeiro, em razão da ocorrência de prejuízo bruto com mercadorias com substituição tributária, isentas e não tributadas, verificada na Conta Mercadorias, bem como a exclusão de valor referente a notas fiscais não lançadas, que não tinham identificação ou provas documentais de suas existências.

- Na acusação de omissão de saídas de mercadorias tributáveis, em relação a contribuintes optantes pelo regime de recolhimento do imposto pelo Simples Nacional, não comporta aplicação de alíquotas inerentes a este regime de tributação, e sim àquela aplicável às demais pessoas jurídicas, na forma prevista na Lei Complementar nº 123/2006.

- Afastamento da multa recidiva, ante a ausência dos requisitos legais para a sua aplicação.

Não obstante o fato de restar demonstrada a possibilidade de se exigir, de contribuinte enquadrado como Simples Nacional, ICMS em razão de omissão de receitas, vislumbro, no caso da denúncia em exame, uma questão de essencial relevância que prejudicou o lançamento em sua integralidade, a saber: a técnica aplicada.

Em diversos momentos, o Conselho de Recursos Fiscais do Estado da Paraíba se posicionou pela admissibilidade da Conta Mercadorias como técnica de fiscalização válida para fundamentar a denúncia de omissão de receitas. É fato.

O aprofundamento das discussões nesta Casa, aliado ao aprimoramento e ao melhor embasamento das defesas administrativas, minaram a certeza anteriormente existente e exigiram uma mudança de entendimento quanto à matéria, ao menos por parte desta relatoria.

Imperativo salientarmos mais uma vez que o que se está a discutir não é a omissão em si, mas a técnica da Conta Mercadorias para contribuinte do Simples Nacional, pelo fato de a LC nº 123/06 se mostrar incompatível com o procedimento realizado pela auditoria.

Em tempo: para os demais contribuintes, a técnica revela-se plenamente eficaz, apropriada e dotada de validade jurídica para embasar a acusação. O alcance deste entendimento é, portanto, hermético, não autorizando ampliações para situações outras.

Noutras palavras, o que se está a buscar é a compatibilização da legislação estadual com a Lei Complementar nº 123/06.

Assim como recorremos à lei especial para justificar a possibilidade de aplicação da legislação afeta às demais pessoas jurídicas para os casos de omissão de receitas, também o fazemos para sustentar a imprestabilidade da técnica utilizada (Conta Mercadorias) para dar arrimo à acusação em comento.

É cediço que a LC nº 123/06 instituiu tratamento diferenciado para os contribuintes que se amoldarem às condições nela estabelecidas e fizerem opção por este regime diferenciado. Neste norte, a partir da inclusão do contribuinte na sistemática do Simples Nacional, o regramento especial passa a produzir efeitos para o sujeito passivo, assim como para o Fisco. Não se quer dizer com isso que os demais normativos não lhe sejam aplicáveis. O que se afirma é que se deve observar se a norma se harmoniza com a LC nº 123/06.

Posto de outra forma - e já adentrando no caso concreto -, para que se possa validar o procedimento fiscal que resultou na identificação de omissão de receitas, faz-se mister analisarmos se os procedimentos da Conta Mercadorias são compatíveis com o regramento especial.

Já destacamos alhures que a jurisprudência desta Corte respondera afirmativamente; todavia, esmiuçando a questão sob o prisma eminentemente jurídico, entendo necessária a reforma deste posicionamento.

O RICMS/PB, em seu artigo 643, §§ 3º e § 4º, disciplina que, no exame da escrita fiscal de contribuinte que não mantenha escrituração contábil regular devidamente registrada na Junta Comercial, para efeito de aferição da regularidade das operações quanto ao recolhimento do imposto, deverão ser utilizados, onde couberem, os seguintes procedimentos:

a)      Elaboração de Demonstrativo Financeiro, através do qual deverão ser evidenciadas todas as receitas e despesas, bem como a disponibilidade financeira existente em Caixa e Bancos, devidamente comprovada, no início e no final do período fiscalizado;

b)      Levantamento da Conta Mercadorias, caso em que o montante das vendas deverá ser equivalente ao custo das mercadorias vendidas (CMV) acrescido de valor nunca inferior a 30% (trinta por cento) para qualquer tipo de atividade, observado o disposto no inciso III do parágrafo único do art. 24.

Ao dispor acerca deste último procedimento, o RICMS/PB, ao estabelecer percentual (30%) a ser acrescido ao Custo de Mercadorias Vendidas, mostra-se claramente em dissonância com a sistemática estabelecida pela LC nº 123/06.

Importante destacarmos que o RICMS/PB é anterior à LC nº 123/06. Também convém salientarmos que, além de hierarquicamente superior àquele, esta última dispõe sobre matéria de conteúdo especial.

Destarte, sob qualquer princípio que se analise (hierárquico, cronológico ou da especialidade), deve prevalecer a LC nº 123/06, afastando-se o RICMS/PB, naquilo que se mostrar incompatível com a Lei Complementar.

O contribuinte enquadrado como Simples Nacional recolhe o tributo devido sobre o seu faturamento, em observância ao que estabelece o artigo 18, § 3º, da LC nº 123/06:

Art. 18.  O valor devido mensalmente pela microempresa ou empresa de pequeno porte optante pelo Simples Nacional será determinado mediante aplicação das alíquotas efetivas, calculadas a partir das alíquotas nominais constantes das tabelas dos Anexos I a V desta Lei Complementar, sobre a base de cálculo de que trata o § 3o deste artigo, observado o disposto no § 15 do art. 3º.

 

(...)

 

§ 3º Sobre a receita bruta auferida no mês incidirá a alíquota determinada na forma do caput e dos §§ 1º e 2º deste artigo, podendo tal incidência se dar, à opção do contribuinte, na forma regulamentada pelo Comitê Gestor, sobre a receita recebida no mês, sendo essa opção irretratável para todo o ano-calendário.

 

§ 3º Sobre a receita bruta auferida no mês incidirá a alíquota efetiva determinada na forma do caput e dos §§ 1º, 1º-A e 2º deste artigo, podendo tal incidência se dar, à opção do contribuinte, na forma regulamentada pelo Comitê Gestor, sobre a receita recebida no mês, sendo essa opção irretratável para todo o ano-calendário. (Redação dada pela Lei Complementar nº 155, de 2016)

Destarte, o contribuinte que apura e recolhe o tributo com base nos dispositivos acima reproduzidos, estará em situação regular quanto à obrigação principal à luz da LC nº 123/06.

A cobrança de tributos, por força do que estabelece o artigo 3º do Código Tributário Nacional, é uma atividade administrativa vinculada, não sendo possível ao auditor fiscal agir de forma discricionária.

Esta ressalva se faz necessária para explicar que, no caso em comento, não estamos afastando a aplicabilidade do artigo 643, § 4º, do RICMS/PB, tampouco deixando ao talante da autoridade fiscal a possibilidade de “escolher” quando utilizá-la. Uma análise mais atenta do dispositivo citado nos permite concluir que a solução para a questão se extrai do § 4º do referido artigo. Vejamos:

Art. 643. No interesse da Fazenda Estadual, será procedido exame nas escritas fiscal e contábil das pessoas sujeitas à fiscalização, especialmente no que tange à exatidão dos lançamentos e recolhimento do imposto, consoante as operações de cada exercício.

(...)

 

§ 3º No exame da escrita fiscal de contribuinte que não mantenha escrituração contábil regular devidamente registrada na Junta Comercial, será exigido o livro Caixa, devidamente autenticado pela repartição fiscal do domicílio do contribuinte, com a escrituração analítica dos recebimentos e pagamentos ocorridos em cada mês.

 

§ 4º Para efeito de aferição da regularidade das operações quanto ao recolhimento do imposto, deverão ser utilizados, onde couber, os procedimentos abaixo, dentre outros, cujas repercussões são acolhidas por este Regulamento:

 

I - a elaboração de Demonstrativo Financeiro, através do qual deverão ser evidenciadas todas as receitas e despesas, bem como considerada a disponibilidade financeira existente em Caixa e Bancos, devidamente comprovada, no início e no final do período fiscalizado;

 

II - o levantamento da Conta Mercadorias, caso em que o montante das vendas deverá ser equivalente ao custo das mercadorias vendidas (CMV) acrescido de valor nunca inferior a 30% (trinta por cento) para qualquer tipo de atividade, observado o disposto no inciso III do parágrafo único do art. 24. (g. n.)

 

Partindo do princípio de que a lei não contém palavras inúteis, a expressão “onde couber” indica que os procedimentos previstos nos incisos I e II do § 4º do artigo 643 do RICMS/PB não são obrigatórios para todo e qualquer exame da escrita fiscal de contribuinte que não mantenha escrituração contábil regular.

Este comando, portanto, não é taxativo e não vincula o auditor fiscal a adotá-los em todas as situações, mas somente nos casos em que “couberem”.

O contribuinte enquadrado como Simples Nacional, como já demonstrado, possui características e regramento próprios, o que o coloca em situação especial, não permitindo a utilização de margem de lucro presumido para fins de surgimento da presunção juris tantum de omissão de receitas.

Na LC nº 123/06, não há qualquer exigência neste sentido para fins de tributação. Apenas no inciso X do seu artigo 29 consta uma referência ao lucro bruto – ainda que de forma indireta -, contudo para efeito de exclusão do regime.

Art. 29. A exclusão de ofício das empresas optantes pelo Simples Nacional dar-se-á quando:

(...)

X – for constatado que durante o ano-calendário o valor das aquisições de mercadorias para comercialização ou industrialização, ressalvadas hipóteses justificadas de aumento de estoque, for superior a 80% (oitenta por cento) dos ingressos de recursos no mesmo período, excluído o ano de início de atividade;

Somente depois de excluído do Simples Nacional, o Fisco está autorizado a lançar mão da Conta Mercadorias – Lucro Presumido para aqueles que não detenham escrita contábil, o que não implica dizer que o contribuinte, enquanto enquadrado na sistemática da LC nº 123/06, esteja “blindado”. A fiscalização tem o poder-dever de verificar a regularidade das operações do contribuinte, utilizando-se, para tanto, dos demais recursos de que dispõe para cumprir o seu mister.

Neste sentido, merece destaque a recente decisão desta Corte proferida no Acórdão nº 192/2019, do ilustre Conselheiro Sidney Watson Fagundes da Silva, cuja ementa reproduzimos a seguir:

 

OMISSÃO DE SAÍDAS DE MERCADORIAS TRIBUTÁVEIS –– CONTA MERCADORIAS – INAPLICABILIDADE DA TÉCNICA PARA CONTRIBUINTES DO SIMPLES NACIONAL – IMPROCEDÊNCIA DA ACUSAÇÃO – REGIME NORMAL DE TRIBUTAÇÃO – DENÚNCIA CONFIGURADA - ALTERADA, DE OFÍCIO, A DECISÃO RECORRIDA – AUTO DE INFRAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE – RECURSO HIERÁRQUICO DESPROVIDO

A técnica da Conta Mercadorias – Lucro Presumido não é aplicável para contribuinte do Simples Nacional, uma vez que o arbitramento de lucro bruto se evidencia incompatível e em total dissonância com o que estabelece a Lei Complementar nº 123/06. O contribuinte enquadrado como Simples Nacional possui características e regramento próprios, o que o coloca em situação especial, não permitindo a utilização de margem de lucro presumido para fins de surgimento da presunção juris tantum de omissão de receitas.

Mantidos os créditos tributários relativos ao exercício em que o contribuinte estava submetido à sistemática normal de apuração.

 

Diante de todo o exposto, resta-me improceder a denúncia de omissão de saídas de mercadorias tributáveis – Conta Mercadorias relativo ao exercício de 2011, uma vez que, durante este período, a empresa estava submetida ao regramento especial de tributação de que trata a Lei Complementar nº 123/06.

 

 

Por todo exposto,

 

 

V O T O - pelo recebimento do recurso hierárquico, por regular e, quanto ao mérito pelo seu desprovimento, todavia, por dever de ofício, decido alterar quanto ao fundamento à sentença exarada na instância monocrática, e julgar improcedente o Auto de Infração de Estabelecimento n.º 93300008.09.00000067/2016-57 (fl. 3), lavrado em 29/1/2016, contra a empresa MIRANDA FREIRE COMERCIO E INDÚSTRIA LTDA ME, inscrita no CCICMS/PB, sob nº 16.001.605-3, devidamente qualificada nos autos, desobrigando-a de quaisquer ônus decorrentes do presente processo, em conformidade com as razões exaradas neste voto.

                                                                                            Segunda Câmara de Julgamento. Sala das Sessões Pres. Gildemar Pereira de Macedo, em 14 de junho de 2019..

 

MAÍRA CATÃO DA CUNHA CAVALCANTI SIMÕES
Conselheira Relatora

 

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