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ACÓRDÃO Nº.442/2018

brasao paraiba
ESTADO DA PARAÍBA
SECRETARIA DE ESTADO DA RECEITA

PROCESSO Nº1776132014-4
SEGUNDA CÂMARA DE JULGAMENTO
Recorrente:BOMPREÇO SUPERMERCADOS DO NORDESTE LTDA
Recorrida:GERÊNCIA EXECUTIVA DE JULGAMENTO DE PROCESSOS FISCAIS-GEJUP
Repartição Preparadora:SUBGERÊNCIA DA RECEBEDORIA DE RENDAS
DA GERÊNCIA REGIONAL DA PRIMEIRA REGIÃO DA SER
Autuante:MARCELO CRUZ DE LIRA, MONICA GONCALVES SOUZA MIGUEL
Relator:CONS.º SIDNEY WATSON FAGUNDES DA SILVA

FUNDO DE COMBATE E ERRADICAÇÃO DA POBREZA (FUNCEP) - FALTA DE RECOLHIMENTO – DENÚNCIA COMPROVADA – MULTA POR INFRAÇÃO – INAPLICABILIDADE – PRINCÍPIO DA LEGALIDADE - AUTO DE INFRAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE - MANTIDA A DECISÃO RECORRIDA – RECURSO VOLUNTÁRIO DESPROVIDO

- Os levantamentos fiscais que apontaram a falta de recolhimento do FUNCEP foram elaborados com base nas informações prestadas pela própria autuada por meio de arquivos de Escrituração Fiscal Digital. Admitir-se a ausência de padronização das unidades de medida dos produtos por ela comercializados como justificativa para afastar a exigibilidade do crédito tornaria inócua a redação do § 1º do artigo 1º do Decreto nº 30.478/09, porquanto inviabilizaria qualquer procedimento fiscal, já que permitiria a omissão de informações necessárias à apuração do crédito tributário referente às operações e prestações praticadas pelo contribuinte, acarretando consideráveis prejuízos ao Fisco.
- Inexistência de permissivo legal para aplicação de penalidade por falta de recolhimento do FUNCEP em relação a fatos geradores ocorridos antes de 13/07/11.

Vistos, relatados e discutidos os autos deste Processo, etc...

 

 

A C O R D A M os membros da segunda Câmara de Julgamento deste Conselho de Recursos Fiscais, à unanimidade, e de acordo com o voto do relator, pelo recebimento do recurso voluntário, por regular e tempestivo e, quanto ao mérito, pelo seu desprovimento, para manter inalterada a decisão monocrática que julgou parcialmente procedente o Auto de Infração nº 93300008.09.00002175/2014-00, lavrado em 24 de novembro de 2014 contra a empresa BOMPREÇO SUPERMERCADOS DO NORDESTE LTDA., condenando-a ao pagamento do crédito tributário no valor de R$ 699,89 (seiscentos e noventa e nove reais e oitenta e nove centavos), de FUNCEP, por haver o contribuinte infringido o art. 2º, I, “a”, da Lei nº 7.611/04.

Ao tempo que mantem cancelado o montante de R$ 699,89 (seiscentos e noventa e nove reais e oitenta e nove centavos), lançado a título de multa por infração.

 
P.R.I

 

Segunda Câmara de Julgamento, Sala das Sessões Pres. Gildemar Pereira de Macedo, em 31 de agosto  de 2018.

 

                                                                              SIDNEY WATSON FAGUNDES DA SILVA
                                                                                              Conselheiro Relator

 

                                                                           GIANNI CUNHA DA SILVEIRA CAVALCANTE
                                                                                                    Presidente

  

Participaram do presente julgamento os membros da Segunda Câmara, DAYSE ANNYEDJA GONÇALVES CHAVES, MAIRA CATÃO DA CUNHA CAVALCANTI SIMÕES  e  PETRONIO RODRIGUES LIMA.

 

                                                                                             Assessor Jurídico

#

RELATÓRIO

 

Em análise, neste egrégio Conselho de Recursos Fiscais, o recurso voluntáriointerposto contra a decisão monocrática que julgou parcialmente procedente o Auto de Infração de Estabelecimento nº 93300008.09.00002175/2014-00 (fls. 3), lavrado em 24 de novembro de 2014 contra a empresa BOMPREÇO SUPERMERCADOS DO NORDESTE LTDA., no qual consta a seguinte acusação, ipsis litteris:

 

 

0465 – FALTA DE RECOLHIMENTO DO FUNCEP – FUNDO DE COMBATE E ERRADICAÇÃO DA POBREZA >> Contrariando dispositivos legais, o contribuinte deixou de recolher o FUNCEP – Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza.

 

Nota Explicativa:

FUNCEP ORIGINÁRIO DA DIFERENÇA LEVANTADA NO QUANTITATIVO DO EXERCÍCIO DE 2010 COBRADA NO AI DE NÚMERO 93300008.09.00002143/2014-05.

 

Em decorrência deste fato, os representantes fazendários, considerando haver o contribuinte infringido o artigo 2º, I, da Lei nº 7.611/04, lançaram um crédito tributário na quantia total de R$ 1.399,78 (um mil, trezentos e noventa e nove reais e setenta e oito centavos), sendo R$ 699,89 (seiscentos e noventa e nove reais e oitenta e nove centavos) de FUNCEP e R$ R$ 699,89 (seiscentos e noventa e nove reais e oitenta e nove centavos), a título de multa por infração, com arrimo no artigo 8º da Lei nº 7.611/04.

Depois de cientificada pessoalmente em 27 de novembro de 2014, nos termos do artigo 46, I, da Lei nº 10.094/13, a autuada, por intermédio de advogado devidamente habilitado para representá-la (fls. 31), apresentou impugnação tempestiva contra os lançamentos dos créditos tributários consignados no Auto de Infração em análise (fls. 13 a 27), protocolada em 26 de dezembro de 2014, por meio da qual afirma, em síntese, que:

a)      O valor exigido pela fiscalização tem origem na suposta diferença levantada no quantitativo do exercício de 2010, cobrada no Auto de Infração nº 93300008.09.00002143/2014-05. No referido documento, a empresa está sendo acusada de vender mercadorias sem emissão de notas fiscais, contudo os levantamentos fiscais deixaram de considerar a totalidade das operações de saída realizadas pela autuada durante o exercício fiscalizado;

b)      Os autuantes não observaram que uma mercadoria pode ser identificada por mais de uma denominação e, além disso, pode comportar vários subgrupos ou diversas referências/códigos. O mesmo produto pode ser movimentado de diversas formas. Por exemplo, o que entrou como fardo de açúcar (que tem um código) sairá como quilo de açúcar (que possui código diverso). Assim, cada subproduto recebe um código diferente do originário;

c)      A fiscalização, na análise quantitativa, também desconsiderou o índice de perdas normais no processo de comercialização, armazenagem, expedição e distribuição da empresa, bem como o índice relativo às devoluções de produtos por expiração do prazo de validade, deterioração, quebras de estoque, etc.;

d)     Os valores identificados pela auditoria estão dentro do esperado para as perdas que ocorrem no ramo de supermercados, segundo o Relatório da Associação Brasileira de Supermercados (doc. 03 – fls. 64);

e)      A perda não pode ser presumida como omissão de saída e, por este motivo, deve o Auto de Infração ser julgado improcedente;

f)       Para que se possa demonstrar a realidade dos fatos, faz-se necessária a realização de perícia;

g)      A multa aplicada mostra-se injusta, desproporcional, abusiva e confiscatória;

h)      Em caso de dúvida, deve-se interpretar a norma jurídica da forma mais favorável ao contribuinte.

 

Com fulcro nos argumentos apresentados pela defesa, a impugnante requereu:

a)      A junção do presente processo ao processo relativo ao Auto de Infração nº 93300008.09.00002143/2014-05, em virtude da evidente conexão;

b)      A produção de prova pericial, bem como de todos os meios de prova em direito admitidos, inclusive a juntada posterior de documentos;

c)      A nulidade/improcedência do Auto de Infração nº 93300008.09.00002175/2014-00;

d)     Sucessivamente, em não sendo acolhido o pedido anterior, a redução, ou mesmo o afastamento, a multa aplicada;

e)      Que, em caso de dúvida, a interpretação mais benéfica ao contribuinte, nos termos do artigo 112 do Código Tributário Nacional.

 

Com a informação de existência de antecedentes fiscais (fls. 65 e 66), foram os autos declarados conclusos (fls. 67) e remetidos à Gerência Executiva de Julgamento de Processos Fiscais, tendo sido distribuídos ao julgador fiscal Francisco Marcondes Sales Diniz, que decidiu pela parcial procedência da exigência fiscal, nos termos da seguinte ementa:

 

FALTA DE RECOLHIMENTO DO FUNCEP. LEVANTAMENTO DE QUANTITATIVO. OMISSÃO DE SAÍDA. JULGAMENTO CONJUNTO COM OUTROS PROCESSOS. INEXISTÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. IMPOSSIBILIDADE. ÍNDICE DE QUEBRA DE ESTOQUE. PRESUNÇÃO. LAUDO TÉCNICO. IMPOSSIBILIDADE. APLICAÇÃO DE LEGISLAÇÃO ESPECÍFICA. UNIDADES DE CONTAGEM DE MERCADORIAS. INCOMPATIBILIDADES ENTRE OPERAÇÕES DE ENTRADA E DE SAÍDA. NÃO COMPROVAÇÃO. ALTERAÇÃO DO CÓDIGO IDENTIFICADOR DE MERCADORIAS. IMPOSSIBILIDADE. PENALIDADE IMPUTADA. INEXISTÊNCIA. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. AUTO DE INFRAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE.

 

Cientificada da decisão proferida pela instância prima em 31 de outubro de 2017, conforme atesta o Aviso de Recebimento – AR nº JT 23427139 5 BR (fls. 79) e inconformada com os termos da sentença, a autuada, por intermédio de seu advogado (fls. 31), interpôs, em 17 de novembro de 2017, recurso voluntário tempestivo ao Conselho de Recursos Fiscais do Estado da Paraíba, por meio do qual reprisa os argumentos trazidos na impugnação, requerendo, ao final:

 

a)      A improcedência do Auto de Infração em exame;

b)      Em caso de dúvida, seja interpretada a norma jurídica da forma mais favorável à recorrente;

c)      A realização de perícia e diligência fiscal-contábil, assim como vistoria, inspeção e tudo o mais que concorra para a prática da justiça.

 

Remetidos ao Conselho de Recursos Fiscais, foram os autos distribuídos a esta relatoria, segundo os critérios regimentais, para apreciação e julgamento.

Eis o relatório.

 

VOTO

 

A matéria em apreciação versa sobre a denúncia de falta de recolhimento do FUNCEP – Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza, no exercício de 2010, formalizada contra a empresa BOMPREÇO SUPERMERCADOS DO NORDESTE LTDA., já previamente qualificada nos autos.

A acusação que pesa contra a recorrente, segundo descrito na Nota Explicativa do Auto de Infração em tela, originou-se a partir da constatação, por parte da fiscalização, de que, no ano de 2010, o resultado do levantamento quantitativo de mercadorias realizado na empresa teria apresentado diferenças tributáveis em diversos produtos.

Como consequência, os auditores fiscais responsáveis pelo cumprimento da Ordem de Serviço Normal nº 93300008.09.00001977/2012-83 (fls. 4 a 7) lavraram o Auto de Infração nº 93300008.09.00002143/2014-05, no qual o contribuinte foi acusado de FALTA DE RECOLHIMENTO DO IMPOSTO ESTADUAL e, considerando que o levantamento quantitativo que embasou a referida denúncia indicava a existência de produtos sujeitos ao recolhimento do FUNCEP (vide planilha apresentada às fls. 9 e 10), também lavraram o Auto de Infração ora em análise.

Considerando a intrínseca relação entre as denúncias, a recorrente requer a reunião de ambos os processos.

Analisando a preliminar de mérito, cabe-nos destacar que o pedido para o julgamento em conjunto deste Auto de Infração com o de nº 93300008.09.00002143/2014-05, embora vise evitar decisões conflitantes e garantir a uniformidade de julgamento de processos que possuem inegável nexo causal, não tem previsão na Lei nº 10.094/13.

 

DO PEDIDO DE PERÍCIA E DILIGÊNCIA FISCAL-CONTÁBIL

 

Com vistas a comprovar a regularidade de suas operações, a recorrente, assim como fizera quando da apresentação de sua peça impugnatória, ao interpor recurso voluntário contra a decisão exarada pelo julgador singular, requereu a realização de prova pericial[1], indicando as seguintes questões para serem respondidas:

a)      O levantamento de estoque efetuado pelo fiscal levou em consideração os diversos códigos utilizados pela recorrente para identificação da mesma mercadoria, bem como a diferença entre o código da mercadoria na entrada e na saída?

b)      O fiscal considerou o índice de perdas normais ao efetuar o levantamento de estoque?

 

No caso vertente, concluímos pela desnecessidade de se recorrer a este procedimento para elucidação da matéria suscitada. Conforme restará demonstrado quando da análise do mérito, os elementos carreados aos autos são suficientes para formar o convencimento desta relatoria, tornando inócua a realização de diligência fiscal para o deslinde da lide.

Portanto, com fulcro no artigo 61 da Lei nº 10.094/13[2], indefiro o pedido de realização de diligência.

 

FALTA DE RECOLHIMENTO DO FUNCEP – FUNDO DE COMBATE E ERRADICAÇÃO DA POBREZA

 

No libelo acusatório, consta como infringido o artigo 2º, I, da Lei nº 7.611/04, in verbis[3]:

 

Art. 2º Constituem as receitas do FUNCEP/PB:

 

I - a parcela do produto da arrecadação correspondente ao adicional de dois pontos percentuais na alíquota do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS, ou do imposto que vier a substituí-lo, incidente sobre os produtos e serviços abaixo especificados:

 

a) bebidas alcoólicas, exceto aguardente de cana-de-açúcar;

 

b) armas e munições;

 

c) embarcações esportivas;

 

d) fumo, cigarros e demais artigos de tabacaria;

 

e) aparelhos ultraleves e asas-delta;

f) gasolina;

 

g) serviços de comunicação;

 

h) energia elétrica para consumo residencial acima da faixa de 100 (cem) quilowatts/hora mensais. (grifo nosso)

 

(...)

 

 

Como medida punitiva para o inadimplemento da obrigação principal, foi proposta a penalidade descrita no artigo 8º da Lei nº 7.611/04:

 

Art. 8° A falta de recolhimento do adicional de que trata o "caput" do inciso I do Art. 2" implicará multa de 100% (cem por cento) sobre o valor não recolhido.".

 

No caso em análise, como já destacado anteriormente, a fiscalização, ao elaborar o levantamento quantitativo de mercadorias no exercício de 2010, identificou vendas de diversos produtos sem emissão de documentos fiscais. Dentre eles, as bebidas alcoólicas relacionadas na planilha juntada às fls. 9 e 10.

Assim, considerando haver o contribuinte efetuado vendas destes produtos sem que tenham sido tributados pelo ICMS, a fiscalização concluiu, por óbvio, que a parcela relativa ao FUNCEP também não fora recolhida e, ipso facto, lavrou o Auto de Infração nº 93300008.09.00002175/2014-00.

Por se tratar de um adicional na alíquota do ICMS (no caso do inciso I do artigo 2º da Lei nº 7.611/04), o FUNCEP tem sua gênese no mesmo fato gerador do imposto estadual, motivo pelo qual é imperioso discorrermos acerca do procedimento realizado pela fiscalização (levantamento quantitativo de mercadorias).

Dentre as diversas técnicas utilizadas pela fiscalização, o levantamento quantitativo de mercadorias é, sem dúvida, uma das mais recorrentes. Analisando os estoques (inicial e final) e o fluxo de entradas e saídas de mercadorias em determinado período, a auditoria, por meio de recurso aritmético simples, pode identificar a existência (ou não) de irregularidades.

No caso em tela, os auditores analisaram o exercício de 2010 e detectaram a ocorrência, neste período, de vendas de mercadorias tributáveis sem a emissão de documentação fiscal, o que configura violação aos artigos 158, I e 160, I, ambos do RICMS/PB, ipsis litteris:

 

Art. 158. Os contribuintes, excetuados os produtores agropecuários, emitirão Nota Fiscal, modelos 1 ou 1-A, Anexos 15 e 16:

 

I - sempre que promoverem saída de mercadorias;

 

Art. 160. A nota fiscal será emitida:

 

I - antes de iniciada a saída das mercadorias;

Contrapondo-se à denúncia, a defesa advoga que o procedimento não pode ser considerado válido, pois não teria contemplado as seguintes situações:

a)      Ocorrência de desmembramento de produtos em diversos códigos;

b)      Existência de perdas normais inerentes à atividade da autuada (“quebras” de estoque, furtos, deterioração de mercadorias, etc.).

 

Os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa também devem ser observados no processo administrativo tributário, como forma de garantir aos contribuintes litigantes a possibilidade de se contraporem, de forma ampla, às acusações que lhe estão sendo impostas.

O artigo 56, da Lei nº 10.094/13 assim dispõe:

 

Art. 56. Todos os meios legais, ainda que não especificados nesta Lei, são hábeis para provar a verdade dos fatos em que se funda a ação, a impugnação ou o recurso.

Parágrafo único. O ônus da prova compete a quem esta aproveita.

 

A transcrição acima não deixa dúvidas: as provas podem ser utilizadas tanto como fundamento da acusação quanto como argumento de defesa, cabendo o ônus a quem esta aproveita.

No caso em tela, observa-se que os auditores fiscais apresentaram uma planilha demonstrando os levantamentos quantitativos que indicaram a ocorrência de vendas de mercadorias tributáveis sem a emissão de documentos fiscais (e sem o recolhimento do FUNCEP), como forma de embasar a acusação imposta à empresa. À defesa, caberia se contrapor, apresentando os elementos com vistas a confirmar a regularidade de suas operações.

Esta foi a fórmula encontrada pelos sistemas processuais jurídicos e administrativos como forma de subsidiar o julgador na tomada de decisões que visem à busca da justiça.

Não se trata de uma obrigação, mas sim de um ônus. Neste sentido, a parte a quem incumbe o direito de provar, não o fazendo, suportará as consequências.

No sistema processual brasileiro, a distribuição do ônus da prova incumbe:

a)      Ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito;

b)      Ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.

 

Segundo Carnelutti, “O ônus de provar recai sobre quem tem o interesse em afirmar[4]. Assim, não importa a posição que o indivíduo ocupe na relação processual (autor, réu, etc.), pois, quando fizer uma afirmação da qual decorra seu próprio direito (em razão do fato ocorrido), terá de provar sua veracidade. Daí, a regra adotada pelo direito brasileiro: ao autor, caberá o ônus de provar os fatos constitutivos do seu direito, enquanto que, ao réu, restará a comprovação da existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.

In casu, no que se refere ao desmembramento de produtos em diversos códigos, a recorrente foi omissa ao não indicar quais produtos teriam sofrido estas “transformações”, as quais, segundo afirma, teriam influenciado no resultado dos trabalhos da auditoria.

A alegação, portanto, reveste-se de generalidade e, como tal, não se presta para desconstituir o procedimento fiscal, uma vez que a defesa não apontou, no citado demonstrativo, as supostas divergências em relação aos códigos dos produtos comercializados.

Considerando que a autuada, por força da Portaria nº 098/GSER, de 13/10/2009, estava obrigada a apresentar a Escrituração Fiscal Digital – EFD a partir de 1º de janeiro de 2010, abro um parêntese para discorrer sobre como a EFD tratou a codificação dos produtos pelas empresas.

Segundo o Guia Prático da Escrituração Fiscal Digital, a Escrituração Fiscal Digital – EFD é parte integrante do projeto SPED a que se refere o Decreto nº 6.022, de 22 de janeiro de 2007, que busca promover a integração dos fiscos federal, estaduais, do Distrito Federal, municipais e dos Órgãos de Controle mediante a padronização, racionalização e compartilhamento das informações fiscais digitais, bem como integrar todo o processo relativo à escrituração fiscal, com a substituição do documentário em meio físico (papel) por documento eletrônico com validade jurídica para todos os fins.

No âmbito da legislação tributária do Estado da Paraíba, a internalização da Escrituração Fiscal Digital – EFD no ordenamento jurídico se deu por meio do Decreto nº 30.478, de 28 de julho de 2009, cujo § 1º do artigo 1º traz a seguinte redação:

 

§ 1º A Escrituração Fiscal Digital - EFD compõe-se da totalidade das informações, em meio digital, necessárias à apuração do imposto referente às operações e prestações praticadas pelo contribuinte, bem como outras de interesse do fisco. (g. n.)

 

A parte final do dispositivo acima transcrito nos mostra que a EFD visa simplificar processos e procedimentos, sendo, um dos objetivos, garantir aos Fiscos um maior controle sobre as operações realizadas pelos contribuintes.

A apuração precisa do imposto referente às operações e prestações praticadas pelos contribuintes só pode ser obtida quando as informações apresentadas correspondam, de fato, à realidade.

Para atender às exigências legais, não basta prestar as informações. É imperativo que haja correspondência perfeita entre os dados, inclusive com parametrizações de sistemas com um “de-para”, a exemplo da correlação entre códigos dos itens dos fornecedores e os códigos dos itens internos da empresa declarante, de forma a viabilizar os procedimentos de fiscalização.

Consolidando a importância do tema, convém observarmos o conteúdo do Guia Prático da Escrituração Fiscal Digital[5] ao tratar sobre o registro 0200:

 

REGISTRO 0200: TABELA DE IDENTIFICAÇÃO DO ITEM (PRODUTO E SERVIÇOS)

 

Este registro tem por objetivo informar mercadorias, serviços, produtos ou quaisquer outros itens concernentes às transações fiscais. Quando ocorrer alteração somente na descrição do item, sem que haja descaracterização deste, ou seja, criação de um novo item, a alteração deve constar no registro 0205.

Só devem ser apresentados itens referenciados nos demais blocos, exceto se for apresentado o fator de conversão no registro 0220 (a partir de julho de 2012).

A identificação do item (produto ou serviço) deverá receber o código próprio do informante do arquivo em qualquer documento, lançamento efetuado ou arquivo informado (significa que o código de produto deve ser o mesmo na emissão dos documentos fiscais, na entrada das mercadorias ou em qualquer outra informação prestada ao fisco), observando-se ainda que:

 

a) O código utilizado não pode ser duplicado ou atribuído a itens (produto ou serviço) diferentes. Os produtos e serviços que sofrerem alterações em suas características básicas deverão ser identificados com códigos diferentes. Em caso de alteração de codificação, deverão ser informados o código e a descrição anteriores e as datas de validade inicial e final no registro 0205;

 

b) Não é permitida a reutilização de código que tenha sido atribuído para qualquer produto anteriormente.

 

c) O código de item/produto a ser informado no Inventário deverá ser aquele utilizado no mês inventariado.

 

d) A discriminação do item deve indicar precisamente o mesmo, sendo vedadas discriminações diferentes para o mesmo item ou discriminações genéricas (a exemplo de "diversas entradas", "diversas saídas", "mercadorias para revenda", etc), ressalvadas as operações abaixo, desde que não destinada à posterior circulação ou apropriação na produção:

 

1- de aquisição de "materiais para uso/consumo" que não gerem direitos a créditos;

2- que discriminem por gênero a aquisição de bens para o "ativo fixo" (e sua baixa);

3- que contenham os registros consolidados relativos aos contribuintes com atividades econômicas de fornecimento de energia elétrica, de fornecimento de água canalizada, de fornecimento de gás canalizado, e de prestação de serviço de comunicação e telecomunicação que poderão, a critério do Fisco, utilizar registros consolidados por classe de consumo para representar suas saídas ou prestações.

 

A referência acima ressalta a importância da codificação para os trabalhos da auditoria.

À defesa não basta alegar a existência de equívocos no procedimento da fiscalização, faz-se necessário demonstrar, de forma clara e precisa, as supostas imprecisões procedimentais do levantamento quantitativo.

Discorrendo, ainda, sobre o levantamento quantitativo, o laudo da ABRAS 2011 (pág. 27 do CD acostado às fls. 64) demonstra que o seguimento comercial no qual a recorrente encontra-se inserido é bastante afetado pelas “perdas”. Segundo o referido laudo, elas podem ser subdivididas em “perdas identificadas” e “perdas não identificadas”.

Segundo a ABRAS, “as perdas não identificadas referem-se a toda mercadoria perdida sem causa conhecida, cuja falta é constatada no momento de um inventário físico de mercadorias”. As perdas identificadas, por sua vez, relacionam-se “a mercadoria registrada no controle de estoque como mercadoria perdida por ter a sua causa identificada, tais como mercadorias sem condições de venda (que se quebram, vencem ou estragam) e que não são negociáveis com os fornecedores; mercadorias consideradas furtadas porque suas embalagens foram encontradas vazias”.

Em geral, correspondem a:

 

a)      Produtos danificados ou degustados sem autorização;

b)      Produtos com validade expirada;

c)      Produtos com partes faltando (incompletos).

 

Na impugnação e no recurso, as causas apresentadas pela defesa para contestar as diferenças observadas no levantamento quantitativo estão enquadradas, em sua maioria, segundo o Laudo da ABRAS, como “perdas identificáveis”, sendo registradas no controle de estoque como mercadoria perdida.

Hodiernamente, em decorrência da grande quantidade de informações processadas pelas empresas, exige-se, para que se possa operar de forma eficiente e eficaz, um investimento significativo na área de processamento de dados. Com o avanço das tecnologias que permitem os mais diversos controles gerenciais, é inescusável que uma empresa que comercialize tantos produtos (como o caso da autuada) firme a sua defesa na alegação da existência de “perdas” para justificar as diferenças identificada nos levantamentos quantitativos.

Não se quer dizer com isso que elas não ocorram, pois é cediço que em estabelecimentos comerciais como o da recorrente, existem sim perdas em virtude de furtos, perecimento de mercadorias, quebras, etc.

Também é incontroverso que as perdas de estoque no estabelecimento do contribuinte não são fatos geradores do ICMS. No entanto, a sua ocorrência obriga-o a tomar as seguintes providências com vistas a regularizar a situação e, com isso, evitar possíveis distorções nos procedimentos de fiscalização:

a)      Anulação dos créditos relativos às entradas das mercadorias sinistradas, efetuando o devido estorno na escrita fiscal;

b)      Emissão de nota fiscal com CFOP 5.927 – Lançamento efetuado a título de baixa de estoque decorrente de perda, roubo ou deterioração.

 

A prova de que estes procedimentos foram realizados pela empresa não constam nos autos. Também inexiste a informação de que estes eventos tenham sido desconsiderados pela auditoria (na hipótese de terem sido postos em prática pelo contribuinte).

Neste norte, resta demonstrada a impossibilidade de acolhimento dos argumentos trazidos pela defesa, pois, os procedimentos realizados pelos auditores fiscais foram realizados com base nas informações prestadas pela própria empresa em seus arquivos EFD, em observância ao que estabelece o artigo 4º do Decreto nº 30.478/09:

 

Art. 4º O arquivo digital da EFD será gerado pelo contribuinte de acordo com as especificações do leiaute definido em Ato COTEPE e conterá a totalidade das informações econômico-fiscais e contábeis correspondentes ao período compreendido entre o primeiro e o último dia do mês.

 

§ 1º Para efeito do disposto no “caput”, considera-se totalidade das informações:

 

I - as relativas às entradas e saídas de mercadorias bem como aos serviços prestados e tomados, incluindo a descrição dos itens de mercadorias, produtos e serviços;

 

II - as relativas a quantidade, descrição e valores de mercadorias, matérias-primas, produtos intermediários, materiais de embalagem, produtos manufaturados e produtos em fabricação, em posse ou pertencentes ao estabelecimento do contribuinte declarante, ou fora do estabelecimento e em poder de terceiros;

 

III - qualquer informação que repercuta no inventário físico e contábil, na apuração, no pagamento ou na cobrança do ICMS ou outras de interesse da administração tributária.

 

§ 2º Qualquer situação de exceção na tributação do ICMS, tais como isenção, imunidade, não-incidência, diferimento ou suspensão do recolhimento, também deverá ser informada no arquivo digital, indicando-se o respectivo dispositivo legal.

 

§ 3º As informações deverão ser prestadas sob o enfoque do declarante. (grifos nossos)

 

Escriturar a EFD sob o enfoque do declarante implica prestar informações em relação ao regime tributário da empresa, dos produtos, da destinação dos produtos e dos cadastros internos do declarante.

Além disso, é imprescindível que as declarações do contribuinte representem a totalidade das operações por ele realizadas, incluindo-se aquelas que repercutam no inventário físico e contábil, na apuração, no pagamento ou na cobrança do ICMS ou outras de interesse da administração tributária, em observância ao que preceitua o art. 4º, § 1º, III, do Decreto nº 30.478/09, acima reproduzido.

 

 

DA MULTA APLICADA

 

A necessidade de inserção de elemento punitivo como forma de dar efetividade às normas jurídicas já foi amplamente discutida pela doutrina.

Para Kelsen, a norma jurídica é, sobretudo, uma norma que impõe sanção para uma conduta ilícita, pois não admite que existam normas jurídicas desprovidas de sanção. Ao contrário, afirma que a sanção é o elemento fundamental da norma jurídica.

O rompimento do vínculo jurídico pelo qual o Estado exige do particular uma prestação tributária positiva ou negativa, mediante o descumprimento das obrigações estabelecidas na legislação, configura a infração tributária.

O fato de ter sido demonstrado que a autuada deixou de recolher à Receita Estadual a parcela correspondente ao FUNCEP incidente sobre as operações com os produtos relacionados às fls. 9 e 10 configura infração e, como tal, passível de autuação.

Apesar de configurada a falta de recolhimento do FUNCEP, devemos observar que a aplicação da penalidade somente pode recair sobre fatos geradores ocorridos a partir de 13 de julho de 2011, pois somente com a publicação da Lei nº 9.414/11 - cuja vigência iniciou-se nesta data – fora instituída a penalidade para a falta de recolhimento do adicional correspondente ao FUNCEP.

Destarte, em obediência ao princípio da legalidade, excluímos todos os valores correspondentes às penalidades propostas no Auto de Infração, haja vista os fatos geradores neles consignados serem referentes ao exercício de 2010, ou seja, antes da entrada em vigência do artigo 8º da Lei nº 7.611/04.

 

DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO

 

Destarte, depois de excluído o valor relativo à multa por infração, o crédito tributário apresentou a seguinte configuração:

 

 

AUTO DE INFRAÇÃO

VALOR CANCELADO

CRÉDITO TRIBUTÁRIO DEVIDO

DESCRIÇÃO DA INFRAÇÃO

PERÍODO

FUNCEP (R$)

MULTA (R$)

FUNCEP (R$)

MULTA (R$)

FUNCEP (R$)

MULTA (R$)

TOTAL (R$)

FALTA DE RECOLHIMENTO DO FUNCEP - FUNDO   DE COMBATE E ERRADICAÇÃO DA POBREZA

01/01/2010 a 31/12/2010

699,89

699,89

0,00

699,89

699,89

0,00

699,89

TOTAL (R$)

699,89

699,89

0,00

699,89

699,89

0,00

699,89

 

Por todo o exposto,

 

VOTO pelo recebimento do recurso voluntário, por regular e tempestivo e, quanto ao mérito, pelo seu desprovimento, para manter inalterada a decisão monocrática que julgou parcialmente procedente o Auto de Infração nº 93300008.09.00002175/2014-00, lavrado em 24 de novembro de 2014 contra a empresa BOMPREÇO SUPERMERCADOS DO NORDESTE LTDA., condenando-a ao pagamento do crédito tributário no valor de R$ 699,89 (seiscentos e noventa e nove reais e oitenta e nove centavos), de FUNCEP, por haver o contribuinte infringido o art. 2º, I, “a”, da Lei nº 7.611/04.

Ao tempo que mantenho cancelado o montante de R$ 699,89 (seiscentos e noventa e nove reais e oitenta e nove centavos), lançado a título de multa por infração.

 

 

Segunda Câmara de Julgamento, Sala das Sessões Pres. Gildemar Pereira de Macedo, em 31 de agosto de 2018..

 

Sidney Watson Fagundes da Silva
Conselheiro Relator

 

Os Textos disponibilizados na Internet não substituem os publicados oficialmente, por determinação legal.

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